Política
Olhos em Durban Miriam Leitão
O Globo
O grande tema da definição do futuro no planeta está de novo encontrando os mesmos impasses. A Conferência das Partes da Convenção do Clima de Durban, a COP-17, terá sucesso se desenhar alguma ponte para o futuro. O protocolo de Kioto está no fim, e uma convenção mais ampla não está garantida. A Rio+20 depende do que acontece nesta semana em Durban.
A primeira semana foi dos debates técnicos, a segunda será das decisões políticas. Ou não. Tudo parece extremamente difícil. No primeiro dia, a secretária-executiva da Convenção do Clima, Cristiana Figueres, invocou palavras do mito Nelson Mandela para reforçar o argumento de que impossíveis acontecem. Mas há pouca expectativa. O mundo voltou a ficar preso nas mesmas armadilhas.
O Brasil, os outros países emergentes, os países mais pobres da África fincam pé numa meta que, se atingida, pouco significará: a renovação do Protocolo de Kioto. Ele termina no final do ano que vem. Parece lógico que o caminho é lutar por mais um período de compromissos. Só que Kioto representa uma fração cada vez menor das emissões dos gases de efeito estufa.
A crise econômica e o fato de que os maiores poluidores estão fora do protocolo fazem de Kioto um documento de valor apenas simbólico. Como é o único que existe, não querem que ele acabe antes que haja alguma outra coisa para pôr no lugar. Nele, estão os países europeus, Japão, Canadá, Rússia, Nova Zelândia e Austrália. Já falaram em sair Japão, Canadá e Rússia. Os países europeus continuam fazendo seu esforço para atingir a meta — emitir em 2020 um volume 20% menor do que o que emitiam em 1990 — mas, com a crise, as emissões cairão mais pela falta de atividade econômica do que pela reconversão da economia.
Hoje, os países do Protocolo de Kioto e os Estados Unidos juntos emitem 20 gigatoneladas de carbono equivalente. Os outros países somados emitem 30 gigatoneladas, mas em alguns desses o volume dos gases cresce mais. Os Estados Unidos não estão e nunca estarão em Kioto, mas se cumprirem as metas que anunciaram em Copenhague podem estabilizar suas emissões. A China fez em Copenhague uma proposta cujos parâmetros ela inventou: reduzir em 50% a intensidade da emissão por unidade do PIB. Ela continuará aumentando fortemente a poluição ainda que num ritmo menor. Agora, em Durban, deu os primeiros sinais de que aceitará metas na forma como elas são calculadas no mundo todo.
Não há chance de se chegar ao objetivo de conter o aquecimento global sem que China, Índia, Brasil, Indonésia, México e Estados Unidos se comprometam com um acordo global. Com esses grandes poluidores de fora, com os desfalques no Protocolo de Kioto, não se chegará a lugar algum.
Países como o Brasil, China, Índia e outros menos desenvolvidos fincam o pé em “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, que é uma forma de diminuir as responsabilidades que têm por terem entrado no clube dos grandes poluentes. Dizem que esse princípio do acordo é imutável. O Brasil também coloca co$centro das suas ambições a renovação do Protocolo de Kioto. Esse objetivo é medíocre. O Brasil pode e deve liderar uma visão renovada do problema.
Kioto fez seu papel e já se esgotou. Hoje, olhando-se as estatísticas é impossível não dar razão ao negociador da União Europeia. Os países signatários representam menos de 30% das emissões dos gases de efeito estufa e vão ser uma fatia cada vez menor. Os Estados Unidos não ratificaram o acordo, os grandes emissores emergentes não entraram nele, a crise econômica está no coração da Europa, que assinou o texto e tem feito um inegável esforço para uma economia de baixo carbono.
As negociações na ONU correm em dois trilhos: um tenta negociar um acordo global do clima e o outro tenta renovar os compromissos de Kioto. Os de fora do protocolo dizem que ele não pode acabar, os de dentro dizem que ele é injusto e limitado; todos falam de um acordo mais amplo. Mas ele não vira realidade.
Enquanto toda essa discussão revisita os mesmos pontos de estrangulamento e repete o mesmo enredo, os riscos do planeta aumentam. O objetivo de conter o aquecimento global em dois graus centígrados parece cada vez mais insuficiente, porque os cientistas falam há tempos em quatro graus ou mais de aquecimento determinados pelas emissões já ocorridas. Mesmo insuficiente, essa meta está distante do que se pode conseguir com os magros avanços das 17 conferências e esforços que o mundo fez desde a Rio 92, que reuniu a Cúpula da Terra. A Rio+20 poderia ser um grande evento. Dificilmente será. Mas se Durban fracassar será apenas uma reunião inútil. Durban tem que nos próximos dias desenhar um esboço que leve o mundo a 2015 e depois a 2020 com um acordo realmente global e com poder de lei. O Brasil pode jogar um papel importante, se ousar mudar o velho discurso de que esse é um confronto de ricos e pobres. O Brasil não é pobre, a China está virando potência, a Índia emite cada vez mais, a Europa não pode ficar sozinha em Kioto. Não basta renovar o protocolo, todos os grandes emissores têm que ter metas.
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