Míriam Leitão Era da incerteza
Política

Míriam Leitão Era da incerteza



A crise tirou a previsibilidade das empresas. O mais difícil de prever não é o médio ou o longo prazos, mas o futuro imediato. O primeiro trimestre de 2009 é uma incógnita para a maioria das empresas. O câmbio é um fator perturbador, não porque sobe, mas pelos saltos que dá dentro de um mesmo dia. Os fatos confirmam os pessimistas. Agora, os emergentes vão perdendo força.

Hoje, qualquer cenário é considerado possível para o câmbio. O Banco Central tem sido errático e isso realimenta essa instabilidade. Emprestar reservas para as empresas através dos bancos — os empréstimos não deixarão de constar das reservas — não resolve a situação. Melhor é entender o círculo vicioso em que o câmbio está, e atuar para desfazê-lo.

O episódio dos derivativos não está ainda resolvido. A crise provocada pelos prejuízos de grandes empresas, que fizeram contratos futuros apostando na manutenção do dólar baixo, ainda afeta inúmeras empresas e realimenta o clima de desconfiança em relação a elas. Quando surgiu, calculava-se que o prejuízo global seria de US$ 40 bilhões. Os casos mais conhecidos foram equacionados. Hoje, mais da metade do volume pode já estar resolvido através de liquidação de posições, mas a maioria das empresas, de porte médio, permanece sob o fio da navalha.

É mais complexo do que parece. As empresas que fizeram adiantamento de câmbio antes da crise e que cobriram os riscos através de mecanismos de hedge, apostando em manutenção do dólar baixo, de repente foram apanhadas no contrapé, tendo que cobrir o prejuízo de suas posições. Essa história já se conhece. Mas o que pouca gente se dá conta, diz um diretor de uma instituição ativa no mercado cambial, é que essas empresas terão ganhos quando realizarem suas operações de exportação, porque receberão um dólar mais valorizado.

“Elas perdem a diferença no derivativo, mas ele vai receber mais adiante o ganho da alta do dólar. Neste momento, os bancos estão quase fazendo um ‘empréstimo compulsório’ para essas empresas, para que elas honrem os contratos, mas a situação financeira de dificuldade da empresa é temporária. É apenas uma questão de tempo”, diz esse diretor.

Essa situação, na verdade, é dinâmica. Quanto maior a alta do dólar, maior é o buraco que se abre na conta das empresas. Mais dificuldades elas têm de se financiar, mais desconfiança o mercado tem delas. Há mais círculo vicioso se formando no câmbio e realimentando a espiral de incerteza.

A volatilidade em si tem efeitos colaterais. Quem vê a cotação na abertura e no fechamento não percebe o quanto o mercado está instável. Num dia, chegou a ir a R$ 2,62 e fechou a R$ 2,42. Essa diferença de 20 centavos no intraday ajuda a criar incerteza: quem venderia dólar, não vende; quem fecharia contrato, não fecha. Os “players” do mercado não atuam porque não têm idéia do preço da moeda. O mercado vai ficando menor, e isso faz com que qualquer operação possa provocar um salto no dólar.

“Ninguém antecipa nenhum contrato. Pelo contrário, eles têm sido retardados. Normalmente, há uma diferença de US$ 20 bilhões entre câmbio contratado e embarcado. Agora, a situação se inverteu. Nunca vi uma retração tão grande quanto essa do contratado em relação ao embarcado”, explicou o especialista.

No mercado, se diz que essa instabilidade é provocada pela atuação errática do BC. Há muitos motivos que elevam o dólar. Uma delas é o comércio. A crise antecipou o cenário de queda das exportações. Elas caíram na primeira semana de dezembro em todos os segmentos.

Pelo comércio, entrarão menos dólares; o fluxo de capitais está negativo; há vencimentos de dívidas em dezembro que o BC tenta garantir com as reservas. Seja pela dívida, pelo investimento ou pelo comércio, a tendência de curto prazo é de menos dólares. A nova taxa de câmbio pode ser um incentivo às exportações e uma barreira às importações, mas, mesmo assim, a tendência é de superávit comercial minguando, porque os preços dos produtos que o Brasil exporta caíram muito.

O Banco Central precisa reduzir a volatilidade. No câmbio flutuante não há piso nem teto, mas essa volatilidade cria uma círculo vicioso, que provoca efeitos colaterais, que agravam a crise. O BC é o único vendedor da moeda desde que a crise começou, num mercado que se encolhe cada vez mais, com todos os participantes se retraindo num cenário em que o preço dá saltos ornamentais no espaço de um único dia.

No Brasil, recebemos estilhaços da crise, mas eles estão ficando cada vez maiores. Por melhor que seja a situação das montadoras no Brasil, por maiores que sejam os incentivos fiscais, de que modo poderemos salvar, no país, uma empresa que desmorona nos Estados Unidos? A GM já está consultando escritórios de falência. A Casa Branca vai usar o pacote já aprovado para evitar que elas quebrem, depois do não do Senado, mas a incerteza aumenta. O motor dos emergentes começa a engasgar. A Rússia está entrando em recessão, a Índia teve queda de produção pela primeira vez em 15 anos, a China está reduzindo o crescimento. Esta é uma era da incerteza. Com essa falta de horizonte, as empresas planejam 2009.




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