Política
Míriam Leitão Frente externa
O GLOBO
O ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia disse que nunca viu "tamanha série de enganos e equívocos" no Itamaraty. O cientista político Amaury de Souza acha que o governo não atingiu suas metas na política externa. Uma pesquisa feita por Amaury mostra que os brasileiros querem maior presença no exterior e só 1% quer que o país "cuide apenas dos seus próprios problemas".
Entrevistei os dois na GloboNews sobre os desafios da política externa. Ambos listam erros e fracassos da atual política do governo Lula.
— Entrei no Itamaraty em 1963. Antes disso, meu pai era diplomata, de maneira que estou no Itamaraty desde que nasci. Confesso a você que nunca vi tamanha série de enganos e equívocos, que derivam em parte de falta de profissionalismo, em parte de perspectiva equivocada, de falta de planejamento e um certo 'juvenilismo', um entusiasmo ideológico — disse o embaixador.
Nessa lista de equívocos, Lampreia inclui a ideia de mandar um embaixador para a Coreia do Norte — que teve de ser abortada — e a decisão de apoiar a candidatura do egípcio Farouk Hosny para a direção-geral da Unesco: — Eu creio, sinceramente, que a explicação básica está no fato de que o dr.
Márcio Barbosa, um homem de extrema competência e grande posição na Unesco, padece de um vício enorme: o de ter servido ao governo Fernando Henrique Cardoso. O Itamaraty tem longa tradição de respeitar posições diferentes e não ter facciosismo.
Ele acha que os árabes merecem um gesto nosso, mas esse foi o sinal errado.
— Primeiro, há um candidato brasileiro. Segundo, o egípcio é uma pessoa inaceitável.
Uma organização que se propõe a defender a educação e a cultura não pode ter como diretor um homem que diz que vai queimar livros. É uma contradição — afirmou.
Amaury, que está lançando o livro "A Agenda Internacional do Brasil", disse que o Itamaraty está reagindo aos insucessos dos últimos anos: — Até fizemos alguns movimentos certos. Apostamos em Doha, mas não prosperou; derrubamos a Alca, mas nada foi colocado no lugar; não conseguimos reorientar o Mercosul e inventamos ao mesmo tempo uma Unasul, que não tem futuro brilhante. Nenhuma das metas do governo Lula foi alcançada: não conseguimos assento permanente no Conselho de Segurança da ONU; a aproximação Sul-Sul ficou difícil porque a China se considera do mundo desenvolvido; a integração da América do Sul avançou apenas retoricamente.
Continuamos precisando de uma infra-estrutura que ligue as costas do Atlântico e do Pacífico, de união energética e mais comércio. O nosso comércio é feito 96% por via marítima. Ou seja, não conseguimos atravessar nossas fronteiras terrestres comuns. Essa não é uma história de sucesso — afirmou Amaury.
No caso do Paraguai, Lampreia conta que o conflito em Itaipu é a bandeira que resta ao presidente Lugo, que não consegue vencer as máquinas dos partidos tradicionais, entrincheirados no governo, e que resistem à agenda dele.
Sobre Hugo Chávez, ele diz que definitivamente não se trata de um democrata: — É uma falácia dizer que a Venezuela é uma democracia só porque faz eleições plebiscitárias. A democracia não se compõe só de eleições. É independência de poderes, liberdade de imprensa, segurança jurídica, Estado de Direito. Nenhuma delas existe na Venezuela.
O livro de Amaury traz o resultado de pesquisas feitas com líderes de várias áreas sobre a política externa brasileira.
— Entrevistamos diplomatas, congressistas, senadores e deputados na Comissão de Relações Exteriores das duas Casas, empresários, empresas que estão voltadas para o comércio internacional, jornalistas, órgãos de representação de classe, Fiesp, CUT, MST. Há uma concordância enorme em relação à importância da ação internacional do Brasil. Só 1% dos entrevistados acredita que o Brasil deveria cuidar dos seus próprios problemas e esquecer o mundo. Todos querem ser parte da cena internacional. Não há consenso no que se tornou a linha mestra do governo Lula, como a de que o Brasil deveria priorizar o eixo das nações em desenvolvimento e baixar a prioridade da relação com Estados Unidos, Japão e Europa. Isso racha essa comunidade no meio — disse Amaury.
Na visão dele, a concepção original do Mercosul acabou. Agora, há uma grande incógnita.
— Se a Venezuela passa a integrar o Mercosul, qual é o modelo de futuro? Hugo Chávez não aceita as regras básicas de conformação do bloco, quais sejam: economia de mercado, uma área comercial para negociar com o mundo e democracia — diz Amaury Sobre a Coreia do Norte, Lampreia é direto: — O governo da Coreia do Norte é louco, louco de hospício.
Mas tem mísseis e bombas atômicas, o que é altamente perigoso. A comunidade internacional pode fazer muito pouco. O Conselho de Segurança pode aprovar quantas resoluções quiser, que eles não vão dar a menor bola. A única solução real é a China deixar de proteger discreta ou abertamente a Coreia do Norte.
O Brasil terá que lidar cada vez mais com questões globais, por isso, é melhor não cometer tantos erros.
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