O físico brasileiro José Goldemberg coordenou com o secretário de Energia do governo Barack Obama, o prêmio Nobel Steven Chu, um estudo sobre energia renovável cujo título é o que o mundo precisa neste momento: “Iluminando o caminho”. O que unifica as escolhas de Obama é o envolvimento de todos com o combate às mudanças climáticas. Goldemberg disse à coluna que Chu é uma “lufada de ar fresco”.
“Welcome Doctor”, falou o vice-presidente eleito Joe Biden ao físico americano de origem asiática. Parecia só uma cortesia, mas tinha significado. O governo Bush censurou a academia, desprezou os alertas dos cientistas, escolheu um caminho obscurantista de negar as evidências científicas da mudança climática.
Obama não escolheu um ícone e o cercou de gente que pensa diferente, como se faz no Brasil. Ele escolheu, para as áreas de energia, meio ambiente, agricultura, interior e trabalho, pessoas com pensamento coerente na questão da mudança climática. Se na economia ele montou uma equipe mais heterogênea, para ter várias opiniões sobre uma crise da qual não se sabe a saída, na área energética e ambiental ele quis um caminho iluminado por algumas certezas: o combate aos combustíveis fósseis, a redução da dependência ao petróleo, a busca de uma solução global para o clima, as novas fontes de energia como alavanca para se sair da crise econômica.
Goldemberg acha que essa lufada de ar fresco que Chu traz pode mudar a controversa política energética americana. O título inteiro do trabalho é: Lighting the way: Toward a sustainable energy future (Iluminando o caminho: em prol de um futuro energético sustentável). Ele foi elaborado pelo InterAcademy Council, que une as principais academias de ciências, de engenharia e de medicina do mundo. O trabalho teve apoio do Brasil e da China e foi composto por estudos de 15 especialistas em energia do Brasil, China, Europa, Índia, Japão, Rússia e Estados Unidos, entre outros países, e foi presidido por Chu e Goldemberg. O relatório, publicado em outubro de 2007, conclui que a utilização de energias fósseis – 80% da energia hoje – é insustentável. Portanto, o único caminho é o de procurar fontes de energia renovável e limpas.
O Lighting the way faz recomendações aos governos na luta contra a emissão de carbono. Estudo pronto, Steven Chu o levou ao primeiro-ministro chinês, Weng Jiabao; e Goldemberg o entregou ao ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. A China já começou a usar o relatório. No Brasil, nada.
“Apresentei ao ministro Sérgio Rezende, que é físico de formação e entende o que tem no estudo. Na época, ele disse que ia levar o relatório ao Conselho Nacional de Política Energética, mas isso ainda não aconteceu. Nos Estados Unidos, agora, as empresas de energia devem estar lendo o relatório com lupa. O Departamento de Energia tem um orçamento de cerca de US$ 23 bilhões. Apenas uma partícula fica com energia renovável, exatamente a área em que Chu dará ênfase”, diz Goldemberg.
A escolha de Obama para chefiar o Environment Protection Agency, o Ibama deles, foi Lisa Jackson, que é de Nova Orleans, cidade dramaticamente castigada por um desastre ambiental. O secretário do Interior, Ken Salazar, é um militante da proteção da água, de áreas de conservação, é contra as perfurações de petróleo indiscriminadas e a favor da energia renovável. A Secretaria é quem controla a área de conservação, exploração mineral e de petróleo. O secretário da Agricultura, Tom Vilsack, é defensor dos biocombustíveis, a favor da agricultura sustentável, crítico dos subsídios concedidos sem exigência ambiental e a favor da energia eólica. A Secretária do Trabalho, Hilda Sollis, tem atuado na área de combate à mudança climática.
Para Goldemberg, o investimento numa nova plataforma de energia traz oportunidades para o Brasil. Maiores consumidores de petróleo do mundo, e um dos maiores poluidores também, uma das saídas para os EUA é usar biocombustível no transporte.
“O Steven sabe, pelo trabalho realizado, que os biocombustíveis são a opção renovável para o transporte. Ou usa gasolina e diesel, ou usa os biocombustíveis. A última opção realista para os Estados Unidos, que importam 60% do petróleo que consomem, é o biocombustível. E o único país que tem uma boa solução técnica é o Brasil”, diz Goldemberg, que mostrou a Chu as vantagens do etanol de cana, em comparação ao de milho.
Mas a atual tecnologia brasileira está com os anos contados. “O laboratório do Steven está tentando fazer biocombustível com celulose (a segunda geração de biocombustível), mas o desenvolvimento satisfatório ainda vai demorar uns 10 anos.”
A mudança climática é emergência que exige uma ação unificada. Obama mostrou que entendeu isso. O governo Lula fatiou o governo para lobbies diferentes. O ministro Carlos Minc, ao criticar o plano de Mangabeira Unger para a Amazônia, ilustrou o resultado: “Um ministério vai lá e abre uma estrada, outro vai e expande a fronteira agrícola, outro constrói uma hidrelétrica. Depois, o desmatamento aumenta e sou eu que tenho que explicar”. Minc, ele próprio, tem aceitado essa ambigüidade. Só existe um caminho. O de proteger o planeta.
Com Leonardo Zanelli