A operação será assim: o Tesouro emite títulos e capitaliza a Petrobras, que tem 68% do seu capital na mão de particulares. Depois, vende 5 bilhões de barris para a empresa, e ela devolve os títulos. Faz em duas etapas porque se fosse transferir o patrimônio precisaria de aprovação dos minoritários. O problema é que, ao "vender" sem licitação, fere a lei em vigor e rouba dos estados produtores.
E é feito também em duas etapas porque se a Petrobras fosse pagar ao Tesouro teria que desembolsar um capital a curto prazo que enfraqueceria a empresa, explica o economista Paschoal Paione, analista de commodities da Quest Investimentos: — A Petrobras teria que pagar ao Tesouro pelos ativos e isso diminuiria sua capacidade de investir. Se a capitalização fosse feita só com incorporação de ativos, teria que ser aprovada pelos minoritários, por isso, o governo fez essa engenharia financeira — explica.
Se o petróleo fosse licitado, os estados produtores teriam direito à participação especial.
A lei ainda em vigor estabelece a obrigatoriedade de licitação. Por isso, é fundamental para o governo completar a aprovação do sistema de partilha, do contrário, estará executando algo inteiramente contrário à lei. Sem completar essa aprovação, não pode ser inaugurado o novo modelo.
Essa operação tem vários problemas. Um deles é que o governo vai se endividar em nome de todos os brasileiros para capitalizar uma empresa da qual poucos contribuintes são sócios.
A operação é controvertida para todos. Os minoritários decidirão se querem ou não acompanhar o aumento do capital, mas alguns terão barreiras concretas.
Muitos, por falta de dinheiro, terão sua participação diluída. Os investidores institucionais e certos grupos estrangeiros têm limitações de investimento feito num único negócio, e mesmo que acompanhem o aumento não poderão crescer a parcela que tem.
O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola define a operação como "um pequeno assassinato": — Vai contra a regra de proteção dos minoritários.
Todo o modelo do pré-sal é equivocado, na minha opinião, ao pôr a partilha no lugar do sistema de concessão.
Atribui privilégios à Petrobras e faz algo pouco transparente. É um desrespeito institucional e uma volta à época em que o Estado punha e dispunha à vontade, e a sociedade não tinha muito o que falar.
Ele acha que faz parte da estratégia diluir a participação dos minoritários. O valor da capitalização a ser feita pelo governo não se sabe.
Duas consultorias internacionais vão fazer a avaliação do preço dos barris, que estão em águas ultraprofundas. O ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros disse que foram escolhidas duas empresas com boa reputação e experiência e que essa é a forma de imputar o valor das reservas de qualquer petrolífera: — Aumento de capital por incorporação de bens é usual. Difícil é avaliar bens que têm grande probabilidade de existir, mas cujo preço e viabilidade de extração são muito incertos. Essas consultorias estão acostumadas com o trabalho. Quanto vale o que está no subsolo ou no fundo do mar? Como calcular isso nos balanços das empresas? Contratam-se empresas que têm essa específica tecnologia. Os problemas começam é na capacidade dos minoritários subscreverem o aumento de capital.
Ele será enorme seja qual for a conta feita pelas empresas, uma contratada pela Petrobras e outra, pela União.
Se elas chegarem a um preço de US$ 5 o barril, significa que a Petrobras vai se dispor a vender US$ 25 bi em ações à União para ter as reservas.
Para o minoritário, quanto maior for o preço desse barril, maior é o risco de ele ver sua participação diluída, por não poder acompanhar o aumento do capital.
— Na prática, o governo entrará na capitalização com papel, e o acionista minoritário com dinheiro.
Quem não tiver o suficiente para manter a percentagem, perde — diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Hoje, a União tem 32% do capital total, a maior parte dele em ações com direito a voto, o que significa que controla a companhia. O aumento dessa participação não traz ganhos visíveis.
Pelas contas do economistachefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, para que essa relação 32% da União e 68% de minoritários seja mantida, a capitalização teria que chegar a US$ 78 bilhões, nessa hipótese de barril a US$ 5,00. Ou seja, os minoritários teriam que entrar com US$ 53 bilhões, do contrário, a União aumentaria sua participação.
As dúvidas sobre essas operações, segundo o economista Eduardo Roche, da Modal Asset, especialista em petróleo, se refletem no valor das ações da Petrobras, que há meses não acompanham a alta da Bovespa. Para se ter uma ideia, nos últimos 180 dias, enquanto o Ibovespa subiu 32%, as ação PN da empresa renderam três vezes menos: 10,6%. Já as ações ON, que possuem liquidez maior de investidores estrangeiros, amargam queda de 0,1%.
São tantas as informações truncadas e tantas idas e vindas que as incertezas estão ficando grandes demais. O modelo é confuso. A partilha retira transparência. Os estados ficam sem um imposto que antes era pago a eles. Os minoritários se sentem ameaçados.
Os contribuintes não acionistas se sentem espoliados.
Tudo poderia ser evitado se fosse mantido o velho modelo, que já tinha 10 anos; se a empresa fosse ao mercado buscar créditos e parceiros para financiar e viabilizar o pré-sal. E mais, tudo poderia ser mais bem pensado se o governo Lula não tivesse transformado o petróleo e a Petrobras em parte da propaganda eleitoral, como se fosse seu partido e sua candidata que tivessem encontrado as reservas de petróleo e criado a empresa.
Tudo é tão abusivo, que só mesmo a anestesia que tomou conta do país permite que tantos equívocos sejam cometidos num só processo.