Miriam Leitão Nos extremos
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Miriam Leitão Nos extremos


Panorama Econômico

Nos extremos

Os países europeus juntos estão se dispondo a gastar, para que os governos virem sócios dos bancos, e para garantir os negócios entre os bancos e com os clientes, US$ 2,4 trilhões, segundo a conta do “Financial Times”. Tudo para convencer o público de que os bancos são seguros o suficiente para guardar o dinheiro de cada um. Isso equivale ao PIB de uma França, segundo dados do Banco Mundial. Ontem, venceu o medo que tinha devastado os ativos na semana passada, mas a recessão já está instalada nas economias européia e americana.

O mercado oscila entre extremos: ou é o fim do mundo ou o fim da crise. Entre a depressão da semana passada e a euforia de ontem, o mercado continua irracional. A bolsa brasileira teve uma bolha. Certas ações não valiam o preço que atingiram até maio, mas algumas quedas foram tão malucas quanto as altas de ontem, quando a SLC, empresa agrícola, subiu 39%, Ultrapar, 31%, Itaú e Unibanco subiram perto de 25%. Que sentido isso faz? Esses movimentos fortes demais são anomalias: seja na queda, seja na alta. Estamos ainda no terreno do desequilíbrio.

No mercado de câmbio, o Brasil vive um overshooting — aumento exagerado. Mas quando as empresas resolverem seus problemas com os derivativos cambiais, ainda assim o dólar ficará mais alto do que estava antes desse último agravamento da crise. Com a queda de ontem, ele ainda acumula uma alta de 38% desde o piso.

No exterior, o mundo ganhou em governança neste fim de semana. O planeta precisava de um chão para a lenta reconstrução da confiança no sistema bancário. O pânico da semana passada tinha poder destruidor sobre todas as economias. A matéria-prima mais importante da economia é a confiança. Esse chão começou a ser construído não de Washington, onde o governo não tem mais força para liderar a ação coordenada, mas sim de Paris, onde se reuniram 15 líderes europeus. Mais precisamente, a esperança veio de Londres, onde se arquitetou o plano de compra de ações dos bancos. O primeiro-ministro, Gordon Brown, foi resgatado pela crise. Ele naufragava na impopularidade quando usou sua experiência de ex-ministro das Finanças para propor uma solução. Péssima solução. O governo está virando dono de bancos pela Europa afora.

São tempos da ironia. A Inglaterra, que difundiu a última onda liberal, começou ontem a estatizar os bancos. A Alemanha foi a segunda a anunciar um plano igual, só que com a sutileza alemã: seu $é de US$ 680 bilhões. Os EUA acabaram seguindo a velha metrópole britânica e estão anunciando um plano de gastar US$ 250 bilhões na compra de ações preferenciais de “milhares” de bancos, segundo o “Wall Street Journal”, mas com ênfase nos nove maiores. Note-se que os americanos estão falando que isto é parte do plano de US$ 850 bilhões aprovado no Congresso, mas a idéia defendida pelo secretário Henry Paulson à época era de comprar ativos podres, e não ações dos bancos. A idéia de comprar ações foi urdida na Inglaterra.

O fim de semana, de reuniões intensas em Washington e em Paris, ajudou o Brasil num aspecto. Com a feliz coincidência de o Brasil ser o presidente do G-20, o ministro Guido Mantega foi exposto a informações que, quem sabe, o ajudem a não mais subestimar o tamanho da crise. E os riscos dela para o país.

Ninguém está protegido da crise porque tem US$ 200 bilhões de reservas. Aumentar as reservas foi um movimento de todos os mercados emergentes após as dolorosas crises dos anos 90. Países ricos têm em reservas, em média, 4% do PIB; os países emergentes, 20%, segundo a “Economist”.

As autoridades chinesas, montadas em US$ 1,8 trilhão de reservas, têm admitido que a crise já atingiu a China. Primeiro através das bolsas. Shangai chegou a perder 60% do seu valor de mercado. Lá, o que se diz é que isso afeta toda a economia, porque afeta a capacidade das empresas de movimentar negócios. A exportação para os EUA é outro canal pelo qual a China tem admitido que está sendo atingida, mesmo tendo o imenso mercado interno que tem. No mercado interno, já há queda da confiança, o que faz os consumidores adiarem decisões de compra, especialmente as de longo prazo e de maior valor, como carros e imóveis. Coréia e Índia, que também têm reservas muito maiores que o Brasil, começam a se sentir atingidos. O problema é que, aqui, basta um dia como ontem para que as autoridades voltem a garantir que estamos protegidos. A proteção tem que ser construída a cada dia, com sabedoria, capacidade de se antecipar aos fatos, com decisões ágeis.

Toda a dinheirama é uma chance de interromper o ciclo do pânico. Mas depois, será preciso vencer a recessão. O passo seguinte será curar as seqüelas desse surto de estatização que provoca as distorções que conhecemos e levar o Estado de volta ao seu leito natural: o de regular a economia de forma a garantir seu bom funcionamento.




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