Política
Nada a estranhar O GLOBO EDITORIAL
15/10/2008
Com muitos ingredientes para entrar com destaque nos livros de história, os dias que correm reservam surpresas, principalmente para quem tem o costume de olhar a realidade pela ótica das ideologias — a mais estreita das visões. A onda de estatização de bancos na Europa e nos Estados Unidos é capaz de disparar o alarme do mais distraído dos cidadãos. O continente europeu ostenta uma tradição próxima do estatismo, embora a região tenha se desenvolvido mais quando tornou suas economias de alguma forma flexíveis — caso exemplar da Inglaterra. Mas imaginar que o mesmo ocorreria nos Estados Unidos sob um governo republicano, isso parece ir além da imaginação.
Proposta pelo primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, a estatização parcial ou integral de bancos insolventes parece mesmo ser a mais sensata e eficaz forma de se combater o risco de uma depressão mundial. Tanto que ontem, no dia seguinte ao da adoção formal da proposta pelos mais importantes países europeus, George Bush anunciou a aplicação inicial de US$ 250 bilhões, do pacote total de US$ 700 bilhões, na compra de ações de nove grandes bancos (entre eles, Citi, JP Morgan e Bank of America), para os quais será destinada metade desse dinheiro (US$ 125 bilhões), indo a outra parte para pequenos bancos.
Há quem comemore o fim da economia de mercado e do liberalismo.
Alguns mais autistas encomendam missa para o capitalismo.
Só mesmo ideologia misturada com desconhecimento de história leva a essas conclusões. Não é a primeira vez que o Estado socorre o capitalismo em meio a crises, das quais ele ressurge aperfeiçoado — e não será a última. Se na quebra de Wall Street em 1907 o salvador foi o próprio John Pierpont Morgan, em 1932, na Grande Depressão, coube ao Estado, por meio de uma agência, (“Reconstrucion Finance Corporation”) comprar ações de 6 mil bancos por US$ 1,3 bilhão, hoje equivalente a US$ 200 bilhões, quase tanto quanto a primeira tranche do atual socorro. Passada a crise, as ações foram revendidas aos bancos e a outros investidores. Na Primeira Guerra, os Estados Unidos haviam estatizado ferrovias. E, na Segunda, mais empresas, incluindo minas de carvão. Na Europa, então, o controle estatal da economia foi muito maior. Não há portanto o que comemorar ou maldizer. O momento por que passa o mundo é cíclico — um ciclo mais agudo, é verdade, mas um ciclo. O importante, agora, é a transparência nessas operações e a futura venda dos papéis, para a reprivatização das instituições.
É como comentou alguém nos últimos tensos dias: em Cuba não há bolha imobiliária. Mas também não há imóveis.
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