O fim da tortura, o fechamento da prisão de Guantánamo, a abolição das prisões secretas, a suspensão dos últimos decretos do ex-presidente Bush, a ordem para que a Casa Branca tenha uma TI contemporânea, os valores do discurso de posse, a limitação aos lobistas, tudo é mudança nestes primeiros dias de governo Obama. Até o que parece simbólico é fundamental.
Mudança é uma palavra tão mágica quanto gasta no ideário político. Todo candidato gosta de usá-la nas campanhas ao fim de um governo impopular. Até o John McCain a usava. Difícil é pôr a palavra em prática. Guantánamo pode parecer um pequeno detalhe. O embaixador Rubens Ricupero acha que não é apenas um detalhe.
“É fundamental, porque tem a ver com os valores. Os Estados Unidos, para liderarem, precisam de poder e prestígio. Poder sempre tiveram, mas o prestígio foi destruído pelo presidente Bush, com as barbaridades que fez e autorizou.”
O economista Tom Trebat, da Universidade de Colúmbia, numa entrevista que me concedeu via satélite para a Globonews, disse que os Estados Unidos foram mal liderados nos últimos anos. Ele acha que o discurso de posse do presidente Obama repõe esses valores. “O nosso inimigo não é o povo muçulmano, mas os terroristas.”
Obama quer usar a tecnologia para ampliar a fiscalização sobre o governo. A TI não é apenas uma forma de aumentar a eficiência do governo, mas de ampliar o conceito da democracia. No programa de campanha, ele já dizia que usaria as ferramentas da tecnologia para aumentar a transparência do governo, a prestação de contas à sociedade e a interatividade. Por isso estão todos aflitos com a estrutura pré-histórica de informática e comunicação da Casa Branca. As regras de conduta de funcionários e a restrição para circulação de lobistas também estavam no programa.
“O mundo não vai mudar de uma hora para outra, mas a eleição de um afro-americano de pai africano nos deixou impressionados. As comemorações, todos juntos, diversas raças, religiões, nacionalidades, indicam que o futuro deste país tão diverso será muito interessante”, diz Trebat.
Ele contou ainda que mesmo nos estados do Sul onde Obama perdeu – em alguns perdeu em todas as cidades –, as pesquisas de opinião estão mostrando que, hoje, a maioria acha que venceu o melhor.
Tudo é avassaladoramente novo na família presidencial americana. Obama é de uma família que escolheu a diversidade, como a extraordinária quebradora de tabus que foi a mãe dele. Um resumo da reportagem do jornalista Jodi Kantor, do “New York Times”, sobre a múltipla e global conexão do presidente, foi publicada nos jornais brasileiros, mas o texto integral é impressionante. Eles são a diversidade chegando a Washington. Metade dos negros americanos e um quarto dos brancos do país pertencem a famílias multirraciais.
Seguindo a árvore genealógica de Michelle Obama, encontra-se um escravo há apenas cinco gerações. Se adivinhasse o futuro, Jim Robinson, tataravô de Michelle, poderia ter dito, enquanto plantava arroz e drenava pântanos como escravo na Carolina do Sul: a neta do meu neto será primeira-dama do país. Jim teve um filho chamado Fraser Robinson, que teve um filho chamado Fraser Jr, que teve um filho chamado Fraser Robinson III, que é o pai de Michelle.
As duas famílias valorizaram a educação. O pai de Michelle teve que abandonar os estudos por problemas financeiros, mas trabalhou para mandar seus irmãos para a faculdade e seus dois filhos para Princeton. Quando Barack Obama morava na Indonésia, sua mãe o acordava às quatro da madrugada para que ele estudasse inglês antes da escola.
A história americana tem um Roosevelt aristocrata, primo de outro Roosevelt que também foi presidente dos Estados Unidos; um Bush filho de outro Bush que também foi presidente e irmão de outro Bush, que foi governador, e dizem que sonha também com a Casa Branca. Nesse ambiente de 43 presidentes brancos, muitos de família tradicional, Obama já foi uma revolução. Trebat acha que a diversidade tem valor econômico. “Esse novo caminho libera os talentos das pessoas que viram suas perspectivas limitadas pela cor de sua pele ou pela religião que praticam. É um ganho de capital humano.”
A diversidade se espalha hoje pelos assessores nomeados, como lembrou Luiz Garcia. A assessoria de Obama tem sobrenomes como Chu, Napolitano, Salazar, Orsag, Shinseli, Vilsak. O jornal O Globo trouxe um infográfico da ocupação da Casa Branca. No segundo andar, o dos superassessores, há nove mulheres e três homens ocupando os supergabinetes. Um detalhe: Lawrence Summers, que fez declarações contra mulheres quando presidente de Harvard, está literalmente cercado por todas essas mulheres em gabinetes próximos, tão poderosos quanto o que ele vai ocupar na área econômica.
Aliás, por falar em mudança, até agora a área econômica nada disse de realmente novo para enfrentar a crise econômica. O pacote vai usar os estímulos fiscais conhecidos, mas a promessa de Obama é que ele ajudaria mais o cidadão comum do que os grandes bancos. O problema é que a crise dos bancos teve novo agravamento recente. O desafio será pôr em prática o que Obama prometeu: reativar a economia com investimentos na transformação do consumo de energia para um padrão de baixo carbono. A boa notícia é que aumentou em US$ 10 bilhões, para US$ 30 bilhões no total, o investimento em energia alternativa.
Com Leonardo Zanelli