Política
MÍRIAM LEITÃO O mico e a pressa
O Globo - 26/07/2010
Um plano nacional de contingência para conter vazamento de petróleo é o que o Brasil deve fazer diante das novas circunstâncias criadas pelo desastre do Golfo do México. O que deve ser abandonada é a atitude de que os estrangeiros não sabem nada, e nós sabemos tudo, que está em cada declaração do governo. A postura é arrogante, e mostra desconhecimento de como funciona o setor.
“Esse pessoal da Europa não tem a experiência que nós temos”, como disse ontem o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Haroldo Lima, na entrevista a Ramona Ordoñez, publicada em O GLOBO.
A British Petroleum foi a primeira empresa a sair da sua região para explorar o petróleo. Antes desse desastre, a BP usou a mesma sonda para perfurar outro poço a mais de 10 mil metros, no campo de Tiber, onde a Petrobras participa. A Petrobras é sócia desse “pessoal da Europa”, para usar a expressão de Haroldo Lima. No poço que deu o problema, o de Macondo (a obra-prima de Gabriel García Márquez não merecia isso), a BP está associada à Anadarko que é a única empresa que no Brasil encontrou petróleo no pré-sal sem estar associada à Petrobras.
Ninguém está sozinho ou detém uma tecnologia só sua nesse setor.
— A indústria de petróleo se desenvolve pela interação que existe entre empresas especializadas em serviços e as grandes companhias de petróleo — diz Wagner Freire, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras.
O professor Helder Queiroz, do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, confirma: — As tecnologias das empresas são as mesmas, as empresas parapetrolíferas fornecem serviços que são contratados por todas as companhias. A competição e a cooperação entre as firmas é que faz avançar a tecnologia.
E isso ficou confirmado na reunião de Houston, quando estiveram 200 empresas do setor discutindo o problema do Golfo do México.
A Petrobras teve quatro acidentes, dois em Enchova, um em Roncador e o da Refinaria Duque de Caxias. Todos com pouco impacto ambiental exceto o vazamento na Baía de Guarabara. Esse histórico já deveria dar à empresa, ao governo brasileiro e à ANP um pouco de humildade.
Essa é uma atividade de risco, a nova fronteira de exploração de petróleo é offshore, mesmo que dois terços da produção ainda sejam em terra, a produção de petróleo no mar do Golfo é maior do que a do Brasil.
Enfim, há vários motivos para redobrar os cuidados e nenhum para a atitude de superioridade que o governo brasileiro tem demonstrado em seus atos e palavras.
Um fato de pouca repercussão, mas da maior gravidade, é o acidente que acabou de acontecer no Libra, poço que a Petrobras estava perfurando para a ANP na Bacia de Santos. Na visão de Wagner Freire, a situação é toda estranha: — A perfuração acontece à margem da legislação e das disposições legais porque não é concessão, apesar de ser esse o regime vigente. E como é um poço para a agência reguladora fica mais estranho. A ANP não tem condição de ser operadora e não se sabe a que título a Petrobras está perfurando, se é terceirizada da agência ou não. Não fica claro também a responsabilidade de cada um.
Houve um desmoronamento ao perfurar a área de sal e isso pode ter provocado um prejuízo de alguns milhões de dólares, segundo Freire.
Helder admitiu que tudo foi muito confuso nessa exploração que está acontecendo fora de blocos de concessão.
— A decisão de mudar o marco regulatório atrasou uma série de medidas de licitação. A forma de contornar isso foi começar a perfurar com a ANP entrando em situação emergencial para tentar evitar a descontinuidade.
A suspensão das licitações fez com que várias empresas, que achavam o Brasil um mercado atraente, ficassem sem investir — lembrou o professor.
Na entrevista de ontem, Haroldo Lima disse que é preciso pressa porque os Estados Unidos, depois do acidente, vão investir mais em outras fontes. “As energias alternativas podem tornar mais dispensável o petróleo que temos aqui, por isso temos que correr um pouco atrás desse nosso petróleo.
Temos que nos adiantar para evitar que a gente fique com um mico”, disse o diretor da ANP à Ramona.
Vamos aos fatos só para se saber quem é que atrasou quando não deveria.
Quando a oitava rodada de licitação de blocos de petróleo, em 2006, foi suspensa por ações na Justiça, a ANP levou sete meses para recorrer. A ministra Ellen Gracie decidiu em três semanas a favor das regras da rodada. Mesmo assim, ela não foi implementada. Na nona rodada, em 2007, dias antes da licitação, a ANP retirou do leilão 47 blocos sobre os quais havia mais interesse. O leilão teve um resultado pífio. A décima rodada, em 2008, teve só blocos em terra. No ano passado não houve rodada, nem se espera que ocorra este ano. Enfim, se vamos ficar com o mico, se as empresas estrangeiras não vêm investir, se o país perdeu o melhor momento foi exatamente por erros do governo e da ANP. Hoje, estamos numa situação esquisita.
O novo modelo de exploração pelo regime de partilha — péssimo, por sinal — ainda não foi aprovado, mas uma empresa já foi criada. A empresa é decorrente do novo modelo.
Ele não está em vigor, mas a estatal já existe.
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