Míriam Leitão O último degrau
Política

Míriam Leitão O último degrau


A queda dos juros americanos é uma boa notícia e véspera de uma má notícia: a de que não haverá muito mais a fazer. Quando os juros ficam em metade de meio ponto, a política monetária começa a perder seu maior instrumento. O pior da parte financeira da crise parecia ter passado, mas o rombo da fraude de Madoff é do tamanho de uma Enron, e o medo volta a alimentar os saques nos hedge funds.

Nesta época em que bilhões de dólares são transferidos do governo para os bancos, em que a perda de riqueza nas bolsas se mede em trilhões, o risco é subestimar a notícia do rombo de US$ 50 bilhões deixado pela fraude financeira de Bernard Madoff. Numa conversa com o economista Thomas Trebat, do Centro de Estudos Brasileiros, da Universidade de Columbia, recuperei a noção de grandeza.

“É uma Enron”, disse ele, comparando com a gigante de energia que caiu no começo da década, batida pelo escândalo das fraudes contábeis.

No começo, explicou Tom, a crise financeira é que estava atingindo a economia real. Agora, está ocorrendo o oposto. “A volatilidade tem diminuído, a bolsa americana com queda de 40% é a que menos perdeu, o spread está caindo”, lembrou o economista.

A economia real, no entanto, está batida, e ele mesmo disse que teve uma experiência numa loja cara de Nova Iorque, onde entrou e era o único cliente neste período de véspera da temporada de presentes. O que ajuda a economia real é a gasolina, que de US$ 4 o galão caiu para US$ 1,6, e isso está deixando renda disponível. “Mas o desemprego vai subir e 2009 será um ano inteiro de recessão.”

A queda da taxa de juros decidida ontem pelo Fed foi maior do que o esperado. Acreditava-se em 0,5% de queda, e foi 0,75%. Contra a idéia de que está ficando sem instrumento, o Fed divulgou nota: “O Federal Reserve (Banco Central) vai empregar todas as ferramentas disponíveis para promover a retomada do crescimento sustentado e da estabilidade de preços.” Por estabilidade de preços se entenda o contrário do que se entendia até recentemente. Antes, a preocupação era com a alta da inflação, pelo choque de preços de alimentos e energia. Agora é o oposto. Ontem, o governo americano divulgou a queda de 1,7% nos preços ao consumidor em novembro, a maior queda desde que o índice começou a ser apurado em 1947.

Por isso, o escândalo de Madoff ocorre em hora mais que imprópria. Era o momento de se concentrar em reviver a economia real, e não em gastar tempo com algum outro incêndio no mercado financeiro. Madoff não parecia ser um aventureiro, nem tinha acabado de se instalar no mercado. Ele estava estabelecido na praça há décadas, e foi presidente da Nasdaq. Ninguém imaginava que ele era simplesmente um golpista, que usava o mais velho dos esquemas: o de prometer alta rentabilidade e pagar aos aplicadores mais antigos com os novos depósitos, e assim por diante, numa corrente. Um esquema que cai quando os depósitos acabam ou quando há uma grande crise como agora.

Uma associação de caridade, a JEHT Foundation, foi criada em 2002 pela filha de Norman Levy, um empresário do mercado imobiliário que sempre confiou suas aplicações na empresa de Madoff. A filha depositou lá o fundo de US$ 76 milhões da Fundação. Ela encerrou esta semana as atividades, porque todo o dinheiro desapareceu.

“Isso reabre a discussão sobre a regulação dos hedge funds, que diziam ser constituídos com as precauções para evitar perdas e que defendiam a auto-regulação”, disse Trebat.

Esse assunto alimentará o debate sobre a nova regulação financeira, que nascerá das cinzas desta crise. Outro tema que não será esquecido é a quebra do Lehman Brothers, há três meses. O “Financial Times” publicou um editorial criticando a participação de Tim Geithner na decisão de deixar o Lehman quebrar para, dois dias depois, salvar a AIG com US$ 85 bilhões, ajuda que já cresceu para US$ 150 bilhões. Geithner será o secretário do Tesouro do governo Barack Obama.

Madoff reabre feridas, que ainda nem haviam sido fechadas, da desconfiança em relação a um sistema financeiro onde tudo que não podia acontecer, aconteceu nos últimos meses. Era hora de o governo concentrar todos os seus instrumentos em salvar a economia real, ajudada agora pelo aumento da renda familiar disponível e pela queda dos preços da energia.

Quando estava conversando com Tom Trebat ontem, na Universidade de Columbia, começou a nevar. “Quando falamos em queda de preço dos combustíveis, não é apenas gasolina para carros, mas combustível para heater, o aquecimento das casas no inverno.”

Na economia será um longo inverno que, na melhor hipótese, acaba em 2010. A decisão do Fed de levar o país a juros quase nulos é um esforço desesperado para evitar o aprofundamento da recessão. Um dos sinais desses tempos estranhos é que a demanda de empréstimos no interbancário praticamente desapareceu. Não é que os bancos não emprestem uns aos outros, é que nem há mais demanda. Por isso, a taxa de juros do Fed é até simbólica, porque no interbancário os juros estão em 0,1%.

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Com Leonardo Zanelli




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