Miriam Leitão Quase tarde
Política

Miriam Leitão Quase tarde


O Globo
PANORAMA ECONÔMICO
A política e a diplomacia produziram um dia de crise na COP-15. Enquanto isso, novos estudos científicos apontam que o aquecimento global será pior no Brasil. E mais: para deter o aquecimento global em um grau e meio, seria necessário atingir o pico das emissões dos gases-estufa mês que vem; para limitar em dois graus, será preciso atingir o pico em cinco anos.
Conversei domingo e ontem com Richard Betts, o chefe de mudança climática do MetOffice, o instituto de pesquisas do clima da Inglaterra.

Um dos estudos conclui que sem a proteção da floresta não será possível deter o aquecimento global. Ontem, ele mostrou outro estudo, feito junto com o Inpe durante dois anos, que prova que a temperatura no Brasil subirá quase 20% a mais do que a média do mundo.

Se fosse possível parar hoje todas as emissões derivadas dos combustíveis fósseis, e não fosse interrompido o desmatamento, a emissão derivada do desmatamento seria, no mínimo, de 41 partes de carbono por milhão; na pior hipótese, de 134ppm. Isso levaria a temperatura a exceder 2 graus Celsius, e no pior cenário, três graus. Todo o esforço das negociações do clima é para deter o aquecimento em dois graus. Não há hipótese de conseguir esse objetivo sem deter o desmatamento.

Os tempos da política e da diplomacia nem de longe se aproximam dos tempos da ciência. Esta semana estamos no pico das tensões entre os países em torno do tema.

Ontem, já foi um dia pesado, com paralisações de negociação, acusações mútuas, desconfianças. O mundo parece distante do acordo que negocia há 17 anos. Amanhã, chegam os chefes de Estado, e eles já começaram a entrar em contato. Gordon Brown teria falado ontem com 12 chefes de Estado. É uma forma de compensar os lances dramáticos com a paralisação das negociações durante quase todo o dia. Os africanos reagiram na negociação do acordo de longo prazo.

No final do dia, foi retomado, mas num ambiente de desconfiança mútua.

A ciência informa que é quase tarde demais para um acordo e que se ele ocorresse agora, no melhor cenário de corte de emissões, ainda não seria suficiente para limitar em dois graus a temperatura do planeta.

A posição oficial brasileira expressa pela ministra Dilma Rousseff é que temos “direitos”de emissão, porque somos países em desenvolvimento.

Do lado dos representantes da China e da Índia, fizeram que “sim” com a cabeça, quando Dilma defendeu a tese de que os países em desenvolvimento têm baixa emissão per capita.

Uma tese equivocada por várias razões. Primeiro, porque um produtor de gado da Amazônia emite mais do que um cidadão americano; segundo, porque um morador de São Paulo tem emissão de primeiro mundo; terceiro, e mais importante, se todos os chineses e indianos chegassem ao nível de emissão dos países ricos, o mundo acabaria simplesmente.

O desafio é fazer os ricos reduzirem suas emissões, e promover o desenvolvimento em outras bases.

É triste ver a chefe da delegação brasileira não entendendo o básico.

Ontem foi dia de política brasileira aqui. Falaram em auditórios diferentes os pré-candidatos Marina Silva e José Serra. Dilma tratou como reunião de delegação o que foi uma reunião de claque política.

O Brasil, segundo o estudo do MetOffice e do Inpe, terá uma elevação cerca de 20% maior na temperatura do que a média mundial. “Os modelos preveem também uma queda na intensidade das chuvas em grande parte do Brasil”, diz o estudo, acrescentando que isso teria grande impacto na produção de energia. Se a temperatura do mundo subir 1,8 grau, a nossa subirá 2 graus.

Se for a 4,4 graus, a nossa irá a 5,3. Em todos os cenários o Brasil perde água, perde parte da floresta e pode chegar ao ponto que dispara um círculo vicioso.

No domingo, no Forest Day (Dia da Floresta), Betts me mostrou o estudo sobre a importância central da floresta na redução. A floresta emite quando é desmatada, mas há ainda o efeito secundário: ela deixa de sequestrar carbono. Hoje, o cálculo dos climatologistas é que as coberturas florestais capturam 17% do CO2 emitido.

No Forest Day discutiu-se a importância da proteção das florestas tropicais com depoimentos tecnicamente consistentes ou comoventes.

Só de manhã, ouvi duas mulheres prêmio Nobel, Wangari Maathai e Elinor Ostrom, contando coisas parecidas apesar da experiência diferente que tiveram.

Nos próximos dias, 120 chefes de Estado estarão aqui em Copenhague no ato final destas duas cansativas semanas de negociação por um acordo do clima. O presidente americano, Barack Obama, que há um ano dizia sobre mudança climática que “o adiamento não era mais uma opção”, chegará na sexta-feira de manhã com o aviso de que um acordo com força de lei terá que ser adiado.

No final do dia de ontem, o representante americano, Todd Stern, disse que os Estados Unidos são fortemente a favor de um novo fundo de financiamento, inclusive com um novo sistema equilibrado de governança com poder distribuído entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Isso já é um passo. Falta o outro e mais decisivo: dizer quanto a maior economia pensa em por neste fundo.
oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail:[email protected]
COM ALVARO GRIBEL



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