Política
Mirian Leitão Trivial variado
O GLOBO
As demissões que pararam ontem São José dos Campos não vão entrar nos dados do desemprego do IBGE, que não pesquisa as cidades médias para onde foram muitas indústrias nos últimos anos. O desemprego vai crescer. Na contramão do pessimismo, o economista Gustavo Franco acha que as empresas exageraram no corte da produção. Ele acha que os juros deveriam cair para um dígito.
- Não temos a maior inflação do mundo, não precisamos ter a maior taxa de juros do mundo - me disse ele, no programa Espaço Aberto, da Globonews.
Franco tem uma visão bem mais benigna da situação brasileira. Avalia que a crise chegou ao Brasil de forma tão abrupta que a primeira reação das empresas foi cortar muito a produção.
- A produção teve uma volatilidade própria de ações em bolsas de valores, com quedas de 50% num mês. É como aqueles furacões anunciados para chegar: todo mundo fala dele, as pessoas morrem do coração antes de o furacão chegar. No primeiro momento, todo mundo reagiu de forma exagerada. Agora vem a fase de acomodação. Afinal, houve a crise, a maxidesvalorização, tudo que nos lembra outros momentos. Mas agora é vida que segue. O primeiro semestre continuará ruim, mas o segundo será bom.
O problema é atravessar ainda este ambiente de dificuldades e de más notícias. O corte na Embraer era previsível, depois das notícias de cancelamentos de encomendas, mas é doloroso de qualquer forma.
Esta semana trouxe muitas notícias ruins em desemprego. A primeira queda de empregos formais num mês de janeiro desde o terrível janeiro de 1999, da crise cambial; o desemprego medido pelo IBGE deu um salto de 6,8% para 8,2% de dezembro para janeiro, e o salto foi maior em São Paulo, onde chegou a 9,4%. Em épocas assim fica mais evidente como o desemprego é mal medido no Brasil: o IBGE só pesquisa seis regiões metropolitanas. O que acontece de bom ou ruim em outras capitais ou cidades médias não está na PME.
O economista José Márcio Camargo, ouvido por Alvaro Gribel, aqui do blog, disse que em dezembro as empresas demitiram pelo choque da chegada da crise, e em janeiro demitiram por acharem que a produção ficará num nível menor.
A economia sentiu o baque em todas as áreas. Conversei com o consultor Paulo Fernando Fleury, do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain). Ele acaba de comparar alguns indicadores que mostram um retrato curioso. A venda de caminhões caiu abruptamente, mas em outros indicadores, como tráfego de caminhões pesados ou consumo de diesel, a queda foi menor.
- É assim nas crises. Há um impacto forte, mas depois ela se espalha e alguns setores super-reagem às notícias da crise. No caso dos caminhões, havia fila de espera e de repente a venda de caminhões novos caiu 50% em dois meses. Foram vendidos 12,5 mil em outubro e apenas 6,1 mil em dezembro - disse Fleury.
O movimento de veículos pesados caiu nos últimos três meses, mas quedas mais fracas, de 0,8%, 2% e 3,7%, em relação ao mês anterior. Já a queda do diesel foi de 13% em novembro.
- Tudo mostra uma atividade em queda, mas em alguns setores isso é sentido mais fortemente. Caindo a venda de caminhões, inúmeros fornecedores vão reagir também e a crise vai em cadeia - contou Fleury.
Ontem, a Saab, da General Motors, entrou em concordata na Europa. A boa notícia é que a Scania não é ligada à Saab e foi comprada pela Volkswagen, que tem 68% do capital votante, 37,7% do capital total. No Brasil, a Scania representa 20% do nosso mercado.
Os mercados ficaram nervosos o dia inteiro ontem: notícias dos bancos, das mineradoras e das automobilísticas mostraram que apesar da esperança, como disse Gustavo Franco, de que o segundo semestre seja melhor, duro está sendo passar esta fase de volatilidade.
Enquanto não se encaminhar a solução dos bancos americanos, tudo continuará volátil. Nós sabemos o quanto uma crise bancária é perturbadora. Franco lembrou um dado.
- O primeiro momento da crise bancária foi a intervenção no Banespa, no fim de dezembro de 1994. A crise durou anos. Aquele era o primeiro jogo de uma longa temporada, que acabou com 90 bancos fechados, vendidos, federalizados ou com intervenção. Isso num universo de 300 bancos.
Ele recordou o que o Gustavo Loyola me disse também esta semana. Nos EUA eles não têm uma lei que havia no Brasil: que transforma os acionistas em responsáveis. Aqui, os controladores tiveram seus bens indisponíveis. Lá não há essa lei, o que torna mais difícil para Barack Obama a construção de uma engenharia que resolva o problema.
Enquanto os bancos americanos continuarem em crise, essa incerteza vai persistir. Mas o Brasil, na opinião de Gustavo Franco, tem bons fundamentos para atravessar este momento. Na administração da crise o Banco Central operou bem, segundo ele, mas a venda de dólares no mercado interno poderia ter sido maior, para evitar uma desvalorização tão alta que assustou as empresas num primeiro momento. Ele acha que há espaço para queda da taxa de juros.
- Não há razão para que o Brasil não tenha juros de um dígito.
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