Monstruosidade Doentia
Política

Monstruosidade Doentia


Sendo ainda muito recente o massacre norueguês, encontramo-nos naturalmente na fase do “como foi possível”. Como foi possível que alguém seja capaz de fazer explodir uma bomba no centro de Oslo e de matar friamente a tiro durante uma hora e meia 85 jovens? Como foi possível tamanha monstruosidade? Como foi possível que tudo se tenha passado na Noruega, a casa do Nobel da Paz e um daqueles países onde elogiosamente se diz que “nada acontece”? E, mais intrigante ainda, como foi possível que tal monstruosidade tenha sido feita por um norueguês cristão e não por um barbudo de pele e ohos escuros a citar versículos do Corão?

À medida que os dias passam e mais pormenores vão sendo revelados, consegue aumentar ainda mais a incompreensão perante o sucedido. Percebe-se que Anders Behring Breivik gastou vários anos a enquadrar e a fundamentar todo o seu ideário nacionalista. Deixou inclusive o documento entitulado “2083 – Declaração de Independência da Europa”, com mais de 1500 páginas. Um texto que, mesmo merecendo apenas uma leitura muito na diagonal, apresenta-se tremendamente perturbador. Breivik não tem dúvidas: a Europa está a ser colonizada pelo Islão e a hegemonia do marxismo cultural no velho continente é a grande responsável por tal tragédia. Ou seja, o multiculturalismo é o principal problema europeu e o “politicamente correcto” está a impedir os povos europeus de verem e reagirem a este terrível fenómeno. Algumas partes do texto têm até algumas similitudes com o Mein Kampf de Hitler, sendo agora os judeus substituídos pelos islâmicos como bodes expiatórios para todos os males do mundo.

Mas o texto não se fica por aqui. Em 1500 páginas há naturalmente espaço para quase tudo. Desde enquadramentos histórico-ideológicos citando conhecidos historiadores e pensadores do século XX, a verdadeiros manuais sobre como construir bombas ou ataques com anthrax, a conselhos sobre como utilizar a agricultura para encobrir as actividades da revolução nacionalista no velho continente. Há de tudo neste hino à expulsão do islão da Europa, que não por acaso tenta recuperar a figura dos cruzados contra os servos de Alá.

Curiosamente, nas primeiras horas após a tragédia, quando não se sabia ainda quem era o autor dos ataques, já existiam peças a correr nas televisões de todo o mundo que quase davam como certo tratar-se de mais um atentado da Al Qaeda. Nas mesmas avançava-se com a participação da Noruega em alguns conflitos internacionais (do Afeganistão à Líbia) como podendo ter despertado a fúria do terrorrismo árabe. Mas afinal, não. Tratou-se de terrorismo sim, e do pior que o mundo tem assistido, mas praticado em suposta oposição ao mundo árabe. Comentários para quê? Alguém já disse que temos finalmente um terrorrista não sujeito a grandes relativizações. É branco, é cristão, é natural e vive num dos países mais desenvolvidos e mais seguros do mundo. Ou seja, nada tem em termos sócio-económicos ou culturais que possa relativizar a sua culpa.

É natural que em momentos como este se multipliquem apelos diversos. Sabendo à partida não vir acrescentar nada de particularmente original ao que vem sendo dito, importa apenas sublinhar o quão nefastas são as ideologias assentes no ódio. Ideologias holísticas que, não dando espaço a relativizações, consideram que terríveis meios são justificáveis pelo fim grandioso que preconizam. O massacre cometido por Anders Behring Breivik recorda-nos, da pior maneira possível, que o ódio presente em visões políticas simplistas do mundo facilmente degenera em monstruosidades doentias.



Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental



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