Política
Não há festa como esta (?)
“...Estes senhores não compreendem como um povo pode explorar outro. Nem sequer compreendem como uma classe explora outra” (
Karl Marx)
Gramsci ao propor a conhecida exposição sobre o
intelectual orgânico, supunha que cada classe importante na História, quer fosse dominante (a burguesia no capitalismo) ou pudesse aspirar a sê-lo (a classe operária), produzia por si mesma colectivamente a sua ideologia e a sua cultura, as suas formas de organização e as suas práticas. O
intelectual orgânico é o catalisador desta produção à qual ele dá a expressão adequada para que a ideologia da classe que representa
se possa erigir em ideologia dominante na sociedade.
Gramsci supunha, por outro lado, que
a classe operária dos centros capitalistas era revolucionária, e com base nesta hipótese, reflectia sobre as condições de surgimento do intelectual orgânico da revolução socialista (ou Partido da vanguarda). Se se pensar que a hipótese de Gramsci é errónea, e que
a classe operária dos centros capitalistas também aceita as regras fundamentais do jogo imposto pelo Sistema, deve-se então deduzir que as classes trabalhadoras não são aqui capazes de produzir o seu intelectual orgânico socialista. Produzem, claro, quadros que organizam as suas lutas, mas trata-se de quadros que renunciaram a pensar em termos do projecto alternativo da sociedade sem classes. Nestas sociedades existem individuos que continuam apegados à visão daquela, mas
o Marxismo ocidental é um marxismo de camarilhas e de universidade, sem impacto social.
A situação nas periferias é completamente diferente. Aqui
as classes populares nada têm de esperar do desenvolvimento capitalista tal como ele é para elas. São potencialmente anticapitalistas. Contudo a sua situação (em paises não industrializados de burguesias “compradoras”) não corresponde à do proletariado como o concebe o marxismo clássico, pois
trata-se de um conglomerado heterogéneo de vítimas do capitalismo extremamente golpeadas de maneiras diversas. Estas classes não estão em posição de
elaborar por si mesmas, sozinhas, um projecto de sociedade sem classes. São capazes – e provam-no constantemente – de rebelar-se, e de maneira mais geral, de resistir. Nestas condições, fica aberto um espaço histórico para que se constitua a força social capaz de cumprir esta função objectivamente necessária e possivel: a do catalisador que formule o projecto social alternativo ao capitalismo, organize as classes populares e dirija a sua acção contra o capitalismo.
Esta força é precisamente a intelectualidade que se define pelo seu anticapitalismo; a sua abertura à dimensão universal da cultura da nossa época e, por este meio, é capaz de situar-se neste mundo, de analisar as suas contradições, de compreender quais são os seus elos fracos; a sua capacidade simultanea de manter-se em comunhão viva e estreita com as classes populares e trabalhadoras e de compartilhar a sua cultura
(
Samir Amin, O Eurocentrismo, Crítica de uma Ideologia, 1999)
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