No Brasil, casas populares e mais crédito
Política

No Brasil, casas populares e mais crédito


Um abrigo contra a crise?

O pacote habitacional lançado pelo governo
promete 1 milhão de casas, mas deixa mais
dúvidas do que certezas sobre sua eficácia


Ronaldo França

Ricardo Stuckert/PR

Sobreposição
A ministra Dilma no lançamento do pacote: no painel, ao fundo, uma montagem para aproximá-la do "povão"

O governo federal lançou, na semana passada, um pacote habitacional cuja promessa é construir 1 milhão de casas. A injeção de 34 bilhões de reais na construção civil tem o objetivo de aquecer o setor – um dos mais propícios à criação de novos negócios e de empregos – e, com isso, aplacar os efeitos da crise mundial sobre a economia brasileira. O plano conjuga isenções fiscais, subsídios aos compradores, financiamento à infraestrutura, garantias contra a inadimplência e modernização de processos produtivos. Da forma como foi anunciado pelo presidente Lula e pela ministra Dilma Rousseff, o projeto parece ser uma boa ideia. A questão é saber se essa obra se sustentará de pé. Sua execução depende de um número tão grande de agentes envolvidos, e de condições ainda tão incertas, que provocou mais desconfiança que aprovação. Principalmente devido à falta de um prazo determinado para sua conclusão, sem o qual nenhuma obra com o dinheiro público pode ter seu andamento fiscalizado. Não há sequer a definição sobre que instituição fará a coordenação das ações. O que foi apresentado no Palácio do Planalto é quase somente uma carta de boas intenções.

Para dar certo, serão necessárias reformulações profundas na máquina pública e em seus ritos burocráticos, que hoje fazem com que o licenciamento de uma obra demore quatro meses para sair. O governo conta com a redução desse prazo para trinta dias. Essa é uma questão crucial porque, se demorar a engrenar, o plano terá chegado tarde a sua missão de minorar os efeitos da crise mundial. Alterações no sistema habitacional vinham sendo discutidas pelo governo nos últimos anos; no entanto, assim que a crise se fez sentir com mais força no Brasil, os trabalhos foram apressados. "Parece mesmo uma boa ação social, mas, como há muitas questões ainda a ser resolvidas, pode ser que, quando as obras começarem, a crise já tenha se dissipado", afirma o economista Armando Castelar, analista da Gávea Investimentos. Essa é a razão pela qual vários aspectos ainda precisam ser mais bem delineados.

Não se pode negar que o plano tem um objetivo nobre. Ele visa à redução do déficit habitacional brasileiro, cuja gravidade se faz notar pela quantidade de favelas espalhadas por todas as grandes cidades. Há hoje mais de 7 milhões de famílias sem uma casa digna para morar. Mais de 90% delas têm renda mensal de até três salários mínimos. Os benefícios concedidos a essa parcela da população farão com que as mensalidades sejam reduzidas para até 50 reais. Isso graças a uma considerável fatia de subsídios, que chegam a 28 bilhões de reais. Também serão oferecidas a isenção do seguro e a possibilidade de que o comprador comece a pagar as prestações somente quando já estiver morando no imóvel. Dar subsídios à habitação é uma fórmula consagrada em vários países e foi um dos pontos que mais animaram os representantes do setor. "O maior acerto do governo foi ter eleito o incentivo à demanda como prioridade. Não adianta encher o caixa das empresas de dinheiro se as pessoas não tiverem como comprar", afirma o vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Martins.

Mas é preciso estar atento. Intervenções governamentais nem sempre saem como o esperado. Um exemplo foi a redução do imposto sobre produtos industrializados dos automóveis e do imposto sobre operações fi-nanceiras. Os resultados ficaram aquém do que se imaginava. Outra ação parcialmente frustrada foi a liberação do dinheiro retido na forma de depósitos compulsórios, que chegava a 100 bilhões de reais. Ela não vinha surtindo os efeitos desejados porque, embora possuíssem o dinheiro, as instituições não tinham a segurança para emprestar. Na quinta-feira, o Conselho Monetário Nacional aprovou uma resolução que deverá complementar exatamente essas ações. Liberou o uso do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) – mecanismo de proteção aos correntistas, poupadores e investidores – para incentivar o fluxo de crédito dos pequenos bancos. Com a alocação de 40 bilhões de reais, o crédito deverá começar a se normalizar. Entre os potenciais beneficiados estão as pequenas empresas, que ficaram de fora de todas as ações levadas a cabo até o momento para mitigar os efeitos da crise. Espera-se que, desta vez, a coisa ande.

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