Nova lei vai agilizar a adoção
Política

Nova lei vai agilizar a adoção


Mudança para melhor

Câmara aprova projeto que cria cadastro nacional 
de crianças e famílias e vai facilitar a adoção no Brasil


Ronaldo Soares

André Sarmento/Folha Imagem
SEM FAMÍLIA
Crianças brincam em abrigo de São Paulo: elas são cerca de 80 000 no Brasil


Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que representa um avanço em relação aos direitos da infância no Brasil. O texto, de autoria do deputado João Matos (PMDB-SC), cria mecanismos que agilizam o processo de adoção de crianças e adolescentes. O principal é a organização de um cadastro nacional com os dados de crianças disponíveis para adoção e de pessoas interessadas em recebê-las. É difícil acreditar, mas, em plena era da informática, a esmagadora maioria dos cadastros existentes no país restringe-se a uma comarca. No máximo, existem cadastros estaduais. A lei também unifica nacionalmente as exigências para os candidatos a pais adotantes, pondo fim a uma babel burocrática. O projeto aperfeiçoa e organiza normas já existentes sobre esse tema, que estavam espalhadas em dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Civil. Elas passam a ficar agrupadas na Lei Nacional da Adoção, que fará parte do ECA. O projeto ainda passará pelo Senado antes de ser enviado a sanção presidencial.

Segundo levantamento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), existem cerca de 80 000 crianças abrigadas no Brasil. Desse total, apenas 10% estão disponíveis para adoção(veja quadro). Os outros 90% vivem no limbo e correm o risco de chegar à maioridade sem ter conseguido encontrar um lar. O texto votado pela Câmara tem o grande mérito de limitar o tempo de permanência em abrigo, uma situação nociva para o desenvolvimento de qualquer criança e em total desacordo com um de seus direitos fundamentais – o de ser criada por uma família, seja a biológica, seja uma substituta. Esse prazo passará a ser de dois anos, tempo suficiente para que ela seja acolhida por algum parente ou encaminhada para adoção, num processo acompanhado pelo Juizado da Infância. Se isso não ocorrer, o juiz terá de explicar por que a criança continua abrigada.

"Trata-se de um avanço fenomenal. Hoje, temos de justificar a saída da criança do abrigo. Agora teremos de justificar sua permanência na unidade", diz o juiz Francisco Oliveira Neto, coordenador da campanha Mude um Destino, da AMB. Outra mudança importante é que a decretação da perda do poder dos pais biológicos sobre a criança terá de ser feita em no máximo 120 dias, a partir do momento em que, constatada a impossibilidade de reintegrá-la à sua família original, se abre o processo na Justiça. Atualmente esse prazo não existe, o que na prática impede que boa parte das crianças encontre uma família. É uma realidade cruel: à medida que crescem, vai ficando mais difícil encontrar quem as queira. Não por acaso, a maioria da população dos abrigos tem mais de 7 anos de idade, e a espera dos candidatos a pais adotantes é de quase 4 anos (veja o quadro abaixo).

James Devaney/WireImage/Getty Images
NO MUNDO
Angelina Jolie com Zahara e Maddox: a adoção por estrangeiros é polêmica


A lei também aumenta as restrições à adoção por estrangeiros. No caso de crianças aptas a ser adotadas por pessoas de outros países, a lei dará prioridade a brasileiros residentes no exterior. É uma medida que divide opiniões, porque casais estrangeiros costumam aceitar crianças que normalmente estão fora do perfil preferido pelos brasileiros, como as pretas e pardas – que constituem a maioria nos abrigos. Mas a restrição tem o apoio da Convenção de Haia, que regula os mecanismos de adoção internacional. O holandês Hans van Loon, secretário-geral da entidade, disse a VEJA que realmente a prioridade deve ser dada a famílias de mesma nacionalidade que a criança. Ele teme que a onda de adoções internacionais por estrelas da música e do cinema estimule uma prática que só deve ser usada em último caso, quando se esgotaram todas as possibilidades de reintegrar a criança a sua família ou entregá-la para adoção por pessoas do mesmo país. O casal Brad Pitt e Angelina Jolie, por exemplo, adotou um filho no Camboja, outro na Etiópia e um terceiro no Vietnã. Já a cantora Madonna optou por uma criança no Malauí, num episódio polêmico. "O problema, em casos assim, é que as celebridades acabam passando também por cima das leis", diz Van Loon.

Embora constitua um avanço, o projeto não terá o efeito pensado pelos legisladores se a rede de abrigos e juizados de infância não for dotada de estrutura material e de pessoal adequada. Um exemplo das carências nessa área é a 1ª Vara Regional da Infância, da Juventude e do Idoso, no Rio de Janeiro, que abrange uma área com 1,5 milhão de pessoas, espalhadas por 33 bairros. A juíza titular do órgão, Mônica Labuto, só dispõe de dois carros, um psicólogo, quatro assistentes sociais e dois oficiais de Justiça para atender esse contingente. "Já fiquei uma semana sem conseguir realizar audiências porque um oficial de Justiça estava de férias e o outro ficou doente", diz. "É preciso que a lei venha acompanhada de estrutura para os abrigos e os juizados. Caso contrário, será mais uma que não vai pegar no Brasil", avalia.

 

 
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