O Estado de S. Paulo - 05/11/2009 |
A crise pegou o Brasil em boas condições financeiras e econômicas. O País não escapou do tranco, mas foi capaz de suportá-lo sem estragos muito grandes. É hora de pensar no tranco do pós-crise. No mundo rico, os governos gastaram montanhas de dinheiro para enfrentar a recessão. Vão continuar gastando por mais algum tempo. Depois virá o ajuste. O conserto fiscal das grandes economias vai doer para todos, austeros e devassos. Para os austeros, um pouco menos, porque serão menos vulneráveis. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria pensar um pouco nisso, mas é improvável. Até a contagem de votos da próxima eleição, ele terá outras prioridades. A gastança vai continuar e o Brasil, muito provavelmente, deixará de preparar-se para o próximo desafio: o custo da arrumação dos Estados Unidos, da Alemanha, do Reino Unido e de outros pesos pesados da economia mundial. O aviso foi dado em outubro pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) na reunião de Istambul e acaba de ser repetido com mais detalhes. O rombo fiscal das economias avançadas ainda será muito amplo nos próximos cinco anos. Equivalia em média a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007. Em 2009 deve ficar em 8,9%. Poderá cair para 8,1% no próximo ano e ainda estará em 4,7% em 2010 - praticamente quatro vezes o buraco orçamentário de antes da crise. Há um pressuposto importante: os estímulos prometidos para este e para o próximo ano serão concedidos. Só depois os governos começarão a desmontar, para valer, os esquemas antirrecessão. Abandonar os estímulos antes de uma recuperação econômica mais firme seria perigoso, adverte o pessoal do Fundo. Os estímulos fiscais explicam apenas em parte a deterioração das contas públicas. Cerca de metade da piora é atribuível à combinação de dois fatores - aumento de outros gastos e perda de receita tributária. A mesma explicação vale para o conjunto dos emergentes. A mera eliminação dos incentivos não bastará, portanto, para consertar a situação fiscal. Alguns governos enfrentarão problemas adicionais nos próximos anos, como a reforma da política de saúde nos Estados Unidos e a expansão das despesas previdenciárias no Japão. Desmontada a política anticrise, os governos terão de enfrentar a dívida pública inflada. A americana saltará de 61,9% do PIB em 2007 para 81,7% em 2010 e 108,2% em 2014. A do Reino Unido mais que dobrará, proporcionalmente, passando de 44,1%, antes da crise, para 98,3% no fim do período projetado. No Japão a dívida bruta já correspondia a 187,7% do PIB há dois anos. Deverá chegar a 227% no próximo e a 245,6% daqui a cinco anos. Para o conjunto dos desenvolvidos do Grupo dos 20 (G-20) a variação será 78,2% antes da recessão para 106,7% no próximo ano e 118,4% em 2014. Uma consequência evidente do ajuste será o aumento dos juros nos principais mercados financeiros. Se isso não ocorrer no próximo ano, ocorrerá com certeza no seguinte. Ontem, os dirigentes do banco central americano decidiram manter os juros básicos na faixa de zero a 0,25% ao ano. A taxa, segundo anunciaram, ainda será muito baixa por um período prolongado, porque o desemprego continua alto e a inflação permanece contida. Mas a política certamente mudará quando a economia dos Estados Unidos ganhar impulso. Algo semelhante ocorrerá na Europa, onde os governos terão de enfrentar uma enorme faxina fiscal. Além do mais, os bancos centrais do mundo rico terão de enxugar a enorme liquidez criada com o socorro ao setor financeiro. Nenhum país ficou imune aos efeitos da crise global. Nenhum ficará imune aos custos da arrumação fiscal e monetária. Mas os danos serão certamente menores para aqueles com melhores fundamentos, isto é, com balanço de pagamentos mais ajustado e finanças públicas menos desequilibradas. Pelas projeções do Fundo, a dívida bruta do governo brasileiro deve ficar este ano em 68,5% do PIB, pouco acima do nível pré-crise (66,8%), mas deverá diminuir a partir de 2010 e chegar a 58,8% em 2014. Isso dependerá da política fiscal, é claro, e a gastança vai muito bem. O governo continua inflando as despesas permanentes, como a folha de salários, e o orçamento de 2010, tudo indica, será o roteiro de uma grande farra. Em vez de conter os gastos, o governo anuncia expedientes para reduzir o superávit primário, descontando os investimentos. Quando começar o aperto no mundo rico, as contas brasileiras serão quase certamente mais frágeis do que hoje. O País já assiste às preliminares de um vale-tudo eleitoral. |