O Estado de S.Paulo - 26/03
As contas externas vão mal, a inflação continua elevada, a indústria permanece empacada, a gastança federal prossegue e a Standard & Poor's baixou a nota de crédito do Brasil. Todos os fatos combinam muito bem, mas o ministro da Fazenda contestou a decisão, o Banco Central (BC) defendeu a ação do governo e a presidente, como de costume, reagiu com irritação. Mas ninguém pode, honestamente, falar de surpresa. A agência havia indicado, no ano passado, sua preocupação com as contas do Brasil. Uma missão técnica passou por Brasília há poucos dias e conversou com autoridades, enquanto se acumulavam as más notícias. Se os ministros apresentaram algo diferente da conversa e das promessas de sempre, mantiveram um incompreensível segredo.
Mas o governo parecia, até há pouco, levar a sério o risco de rebaixamento. Depois de esnobar Davos durante três anos, a presidente Dilma Rousseff aceitou participar da reunião do Fórum Econômico Mundial, em janeiro, para falar aos investidores sobre os atrativos do País. Teve uma oportunidade excelente de passar sua mensagem, mas parece haver esquecido de um detalhe. A viagem à Suíça poderia ajudar, mas seria preciso muito mais que isso.
Com a reclassificação, o País mantém o grau de investimento, mas apenas um passo acima do nível especulativo. O governo parece haver esquecido esse detalhe e pouco se esforçou para completar o trabalho iniciado em Davos. A meta fiscal anunciada em fevereiro foi avaliada com descrença por muitos analistas - e também pelos da Standard & Poor's, como indica a nota da agência.
A desconfiança vai além do objetivo proposto, um superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Não se pode levar a sério um resultado fiscal obtido à custa de receitas especiais, da exclusão de investimentos e de incentivos e também de truques. A nota cita a contabilidade criativa dos últimos anos e a expectativa, baseada em atos das autoridades, de mais expedientes desse tipo. Todos esses fatores, segundo o informe, enfraqueceram a credibilidade do governo. A nota menciona também a elevação, nos últimos anos, do déficit nominal (incluída a despesa com juros) e as transferências do Tesouro aos bancos da União, conhecidas no jargão dos especialistas como operações quase fiscais.
O rebaixamento das notas da Petrobrás e da Eletrobrás, anunciado em um segundo informe, acompanhou a reavaliação do crédito soberano. As intervenções do governo nas duas maiores estatais são conhecidas, assim como seus efeitos negativos tanto para as companhias como para o Tesouro.
Não há como dissociar as avaliações de crédito, porque as interferências políticas - na fixação de preços e tarifas, por exemplo - criam obrigações financeiras para o governo e aumentam a dependência das estatais em relação ao Tesouro.
A redução da nota brasileira foi justificada com uma argumentação muito ampla. "O rebaixamento", segundo o informe da agência, "reflete a combinação da deterioração fiscal, da perspectiva de que a execução fiscal continuará baixa diante de um baixo crescimento nos próximos anos, de uma capacidade reduzida para ajustar as políticas antes das eleições presidenciais, e do ligeiro enfraquecimento das contas externas do Brasil." Não se produziu, portanto, apenas uma avaliação das finanças do governo.
Horas antes do comunicado da Standard & Poor's, o BC havia divulgado o relatório mensal sobre as contas externas. O déficit em conta corrente nos 12 meses até fevereiro chegou a US$ 82,48 bilhões. Havia alcançado US$ 81,37 bilhões em dezembro. Além disso, o déficit previsto para 2014 foi elevado de US$ 78 bilhões para US$ 80 bilhões.
No mesmo dia, a reportagem do Estado levantou informações sobre a renegociação de R$ 238 bilhões devidos ao Tesouro pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - parte das operações "quase fiscais" mencionadas no documento da agência. No fim da semana, os jornais haviam noticiado a aceleração da inflação, com a alta de 0,73% do IPCA-15 em março. Será apenas um extraordinário conjunto de coincidências?