O calote de Itaipu
Política

O calote de Itaipu


O presidente Fernando Lugo, do Paraguai, não é, à diferença dos presidentes Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador, um títere do caudilho venezuelano Hugo Chávez. "A construção de nossa democracia não tem nem terá a supervisão ou a tutela de nenhum país do mundo", disse essa semana, em resposta a insinuações de que estaria atrelado a Chávez. Mas Fernando Lugo é um líder populista que se elegeu prometendo acabar com a corrupção sexagenária do Partido Colorado e unir a nação, dividida por profundas desigualdades econômicas e sociais. Diz e repete que, para alcançar esse último objetivo, não promoverá a luta de classes, como têm feito os seus vizinhos bolivarianos. Mas não hesita, desde que se candidatou, em promover a união nacional em torno da denúncia da dívida externa "espúria" e da renegociação do Tratado de Itaipu. E nisso se identifica amplamente com seus vizinhos bolivarianos.

Essa semana, o engenheiro Ricardo Canese, coordenador da comissão negociadora das reivindicações paraguaias, apresentou a sua versão da revisão do Tratado de Itaipu, baseada em seis pontos. Os dois pontos principais são inaceitáveis para o Brasil e provocaram a reação imediata do chanceler Celso Amorim, que classificou as reivindicações paraguaias como "demandas irrealistas".

O funcionário paraguaio propôs, em nome de seu governo, a extinção da dívida contraída pela Itaipu Binacional para financiar a construção da usina, hoje em torno de US$ 19,6 bilhões. Como o Paraguai não dispunha de recursos para o financiamento dos 50% do custo da obra que lhe competiam, o governo brasileiro arcou com todas as despesas. O ressarcimento se faz com parte do produto da venda compulsória para o Brasil da energia produzida por Itaipu que não é consumida pelo Paraguai. Entra aí o segundo ponto fundamental da proposta apresentada por Canese: acaba o mercado cativo e o Paraguai poderá vender o seu excedente de energia no mercado livre, para quem quiser. Para o Brasil, isso significaria que o financiamento de Itaipu não mais teria garantias reais e firmes.

Mas o mais ominoso é que a dívida da Itaipu Binacional, de US$ 19,6 bilhões, seria transferida para os Tesouros do Brasil e do Paraguai, segundo uma fórmula extremamente criativa. Por ela, o Tesouro brasileiro arcaria com US$ 19 bilhões e o paraguaio, com US$ 600 milhões, sendo esse cálculo baseado no consumo de energia dos dois países - 97% pelo Brasil e 3% pelo Paraguai.

Trata-se, como se vê, de uma versão guarani do calote que o presidente do Equador tenta aplicar no BNDES: o país devedor fica com uma usina hidrelétrica - no caso de Itaipu, com 50% - a leite de pato.

Quando o presidente Evo Morales expropriou as instalações da Petrobrás na Bolívia, advertimos que outros líderes populistas, pela leniência com que o governo Lula aceitou o esbulho, se sentiriam estimulados a repetir a dose. No caso do Equador, o Itamaraty reagiu à altura - mas não a tempo de evitar que a moda pegasse. O fato é que o Brasil está sendo tratado por esses líderes populistas - com quem o presidente Lula julgou ter afinidades políticas - como uma vítima fácil de calotes.

Não por outro motivo, o engenheiro Ricardo Canese citou, como argumento favorável para a aceitação por Brasília de sua proposta, "o fato de que o Brasil quer liderar a região em matéria de integração energética e para isso terá de optar por uma liderança que atenda aos interesses dos países menos desenvolvidos, a não ser que esteja disposto a pagar os custos políticos de uma liderança do tipo opressivo".

Escaldado pela experiência da Bolívia e do Equador, desta vez o chanceler Celso Amorim reagiu antes mesmo de tomar conhecimento oficial da proposta paraguaia. Ele foi taxativo: "Não, essa proposta não pode ser aceita. O Brasil não aceita o argumento do Paraguai de que a dívida de Itaipu é espúria nem concorda com a definição de que a venda da energia de Itaipu a terceiros países é uma questão de soberania do Paraguai." E completou, afirmando que "em primeiro lugar vem o interesse brasileiro e, em segundo lugar, o interesse brasileiro".

Na próxima terça-feira, na reunião de cúpula da Costa do Sauípe, o presidente Fernando Lugo deve apresentar a proposta ao presidente Lula. Esperamos que receba uma resposta negativa e peremptória.



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