Política
o caso da Dívida da Argentina
Do ensaio radical do neoliberalismo à bancarrota. A experiência económica neocolonial que aconteceu na América Latina na época do
“pátio das traseiras norteamericano”, chega actualmente à periferia da Europa. Do opúsculo
"Viver em Dividocracia, Quem deve o quê a quem?" respiga-se e traduz-se aqui o capitulo sobre a dívida da Argentina. Normalmente este é apresentado como um caso modelo, exemplar. Mas por detrás da aparente ousadia de recusar pagar uma parte da dívida externa, os governos neo-peronistas dos Kirchner faziam acordos com a administração Bush no sentido de
aprovar a nivel interno leis de repressão decretadas no interesse geral do Imperialismo.
Em finais de 1975 a dívida argentina ascendia a 7.800 milhões de dólares, e cada argentino/a devia 320 dólares.
Com a ditadura da junta militar a dívida aumentou 465%, até aos 1.500 dólares por habitante. O endividamento foi paralelo à imposição do modelo liberal a sangue e fogo, que destruiu a economia de um país medianamente industrializado e com índices de desenvolvimento aceitáveis. Foi então perpretada uma profunda desregulamentação do sistema financeiro, a obrigação de endividamento desnecessário das empresas públicas, o endividamento de empresas privadas e, finalmente, a assumpção dessas dívidas privadas como públicas por parte do Estado. Tudo isto conduziu à
explosão da dívida, que pode ser qualificada por inteiro de odiosa.A crise da dívida nos anos 80 afectou também a Argentina, quando passou a ser democrática. A partir daí o FMI interveio com o seu “
Plano de Ajuste Estrutural”. Sob a batuta do que é conhecido como Consenso de Washington impuseram-se cortes sociais, privatizações, venda de património público e, finalmente, a convertibilidade da moeda (o peso argentino passou a valer um dólar norte-americano)
perdendo a Argentina a sua soberania monetária. Apesar do “resgate” e da “ajuda” a dívida continuou a crescer vertiginosamente até aos 147.000 milhões de dólares em finais dos anos 90.
Em Dezembro de 2001 o governo argentino caiu no meio dos protestos generalizados, pelo aumento do desemprego e pelo colapso do peso (que ninguém acreditava já equivaler ao dólar). O sistema bancário desmoronou-se e as contas bancárias foram congeladas (o que ficou conhecido por
“corralito”). Mais de metade da população tinha caído em patamares abaixo do limiar de pobreza. Tudo isto marcou o final de uma experiência económica que, até havia poucos anos antes, tinha sido considerada como
um orgulhoso exemplo do êxito do mercado livre e do paradigma neoliberal (1)
Depois do estalar da crise,
a Argentina continuou a negociar com o FMI um pacote de resgate que ajudasse â recuperação económica. Sem dúvidas,
o FMI continuou a recomendar as mesmas politicas danosas. A Argentina respondeu com um
rotundo Não! ao FMI e anunciou uma moratória unilateral sobre o reembolso da sua dívida externa. Ou seja,
deixou de pagar e rompeu com todas as regras (2). O prognóstico dos especialistas foi de depressão e definhamento económico porém o resultado foi precisamente o contrário (3).
Do default da dívida resultou a chave que possibilitou a recuperação económica do país. O governo não só passou a dispôr dos recursos necessários para isso, como até, ao não necessitar de novos empréstimos, se libertou do FMI e da obrigação de adoptar politicas económicas prejudiciais, para contentar antes os mercados e os credores (4).
Pese que o total da dívida continue hoje a ser muito elevado, esta não tem o impacto que tinha há uma década (5). Durante o ano de 2011 a Argentina negociou com o Clube de Paris a re-estruturação de uma parte da dívida sem a presença do FMI, rompendo assim uma norma não escrita das negociações da dívida. O Clube de Paris (6) acabou por aceitar um haircut (redução da dívida) correspondente a uma parte de
dívidas ilegitimas contraídas pela ditadura militar. Sem ser nada de radical, (porque toda a dívida é ilegitima por ser contraída pelo conluio dos governos burgueses com o interesse dos credores estrangeiros para sacar juros usurários e comissões) a Argentina é o exemplo de que, no mínimo,
exercer o direito soberano de não pagar e não ceder às condições impostas pelos credores pode ser a única saída possivel.
Nenhum banqueiro foi preso ou sequer molestado; ao contrário, para os indignados que protestam, a Argentina da era do casal Kirchner fez aprovar em 2005 no Congresso a legislação anti-terrorista sugerida (e de certo modo imposta) por Bush, que como se sabe se destina principalmente a criminalizar os dissidentes que lutam contra o sistema. A presidente Cristina Kirchner já a fez estrear contra organizações populares
notas
(1)
A estranha história de Bush na Crise da Dívida Argentina(2) O caso levou a secretária de Estado Hillary Clinton a comentar o aspecto fisico da presidente Kirchner, notando “estar extremamente magra com sintomas de sofrer de ansiedade e stress nervoso”. De seguida inquiriu os seus diplomatas no sentido de averiguarem
se Kirchner “sofria de alguma doença mental” (Guardian)(3) “
Ya Basta!: la opcion de repudio de la deuda”, por Christian Aid,
disponível em Gloobal.Net (4) “
La Deuda Argentina, História, Default y Reestruturación”, Sedes, Buenos Aires, 2005
(5) “
Reflexiones desde la Experiencia Argentina para el Debate sobre la Deuda de Portugal, Grecia, Irlanda, España...”, Eduardo Lucita,
disponivel no CADTM.Org(6)
Segmentando os credores internacionais.
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