O chef da Le Cordon Bleu no Brasil
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O chef da Le Cordon Bleu no Brasil


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O avesso do glamour

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CONTRA OS PSEUDOGÊNIOS
O chef Patrick Terrien: "É preciso dominar a técnica, mas também carregar muito peso"


Como chef número 1 da Le Cordon Bleu, a mais prestigiada escola de gastronomia do mundo, o francês Patrick Terrien, 60 anos, comanda uma equipe de 480 profissionais em 35 filiais espalhadas por quinze países. No ramo há mais de quarenta anos, Terrien trabalhou numa dezena de restaurantes estrelados e chegou a ter o seu próprio, em Paris. Considera obrigação conhecer a culinária de inspiração francesa nos países por onde passa e fará isso no Brasil, que visita na semana que vem e onde pretende, em prazo ainda não definido, abrir nova filial da Cordon Bleu. O chef falou à repórter Renata Betti sobre os avanços - e alguns dos equívocos - da gastronomia do século XXI.

AMADORES AO FOGÃO

Um problema da gastronomia moderna é a quantidade de jovens cheios de autoestima que, nem bem se formam, já se acham preparados para ter um restaurante próprio - quando não estão. Duas décadas atrás, isso acontecia por volta dos 40 anos. Hoje, é mais comum aos 20, idade em que eles são movidos pela ideia, quase sempre equivocada, de que têm em si algo de genial. Na realidade, falta-lhes técnica, que só vai sendo aprimorada mesmo no exercício da profissão. Alguns desses jovens até ganham sobrevida porque conseguem disfarçar sua mediocridade sob o rótulo de cuisine d’auteur - uma cozinha autoral, em que a criatividade do chef pode conferir originalidade aos pratos. No caso desses novatos, porém, o gênero costuma se traduzir apenas numa tentativa frustrada de substituir conhecimento técnico por intuição. Isso não funciona na cozinha.

FEIRA LIVRE

Muitos ingressam na Cordon Bleu com uma visão idílica do ofício de chef. Eles ambicionam o status da carreira, capaz de alçar os melhores à condição de celebridade, mas não têm ideia de que até um Alain Ducasse precisa carregar saco de farinha na cozinha e aguentar mau humor de cliente no salão. Assim que chegam à escola, tratamos de trazê-los à realidade. Os estudantes aprendem que não apenas talento e esforço são pré-requisitos para um bom cozinheiro. Até a força física conta. Quando o restaurante está lotado e a cozinha um caos, todo mundo fica sujeito a fazer o serviço pesado. Quem já viu a cena sabe: o clima é de feira livre.

CADÊ AS MULHERES?

Um levantamento recente mostra que apenas 10% dos chefs no mundo inteiro são mulheres. Duas razões, basicamente, afastam-nas da cozinha dos restaurantes. A primeira diz respeito justamente à força física requerida no trabalho, exigência que, segundo pesquisas sobre o assunto, espanta boa parte delas. Mas não é só isso. Ainda pesa contra as mulheres que aspiram à chefia de uma cozinha um preconceito antigo, que gira em torno da ideia de que elas são incapazes de administrar, ao mesmo tempo, tantos egos e tarefas. Enquanto em outros setores da economia as mulheres já são até maioria nos cargos de comando, na gastronomia vê-se ainda atraso de décadas nesse sentido. E perdem-se boas cozinheiras por isso.

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EGOS À SOLTA

O trabalho de um chef é normalmente comparado ao de um maestro, que precisa coordenar várias tarefas simultaneamente com o único objetivo de produzir um bom prato. Para mim, o chef tem de ser, acima de tudo, um bom psicólogo. Num ambiente em que se concentram tantos egos inflados, ele deve manter permanentemente sob controle a vaidade alheia. Outra de suas atribuições centrais também passa longe da gastronomia propriamente dita: trata-se de circular com desenvoltura pelo salão, algo que requer habilidades de ator. Já vi muito chef arremessando prato no chão da cozinha num momento de ira para, no segundo seguinte, desfilar sorridente pelo salão. Essa capacidade ímpar para escamotear o mau humor é trunfo de alguns dos mais estrelados profissionais do mercado.

FRANÇA X ESPANHA

Na disputa entre essas duas cozinhas, não há dúvida de que a francesa consegue manter um alto padrão com mais regularidade. A França se beneficia da variedade de bons ingredientes, da tradição de suas escolas de gastronomia e ainda de um conjunto incomparável de técnicas culinárias acumuladas desde os tempos de Auguste Escoffier, no século XIX. Não dá para dizer, no entanto, que se trata da culinária mais inventiva do planeta, como já foi no passado. Hoje, é da Espanha que vêm as maiores inovações à mesa, encabeçadas pelo gênio de Ferran Adrià. Tudo muito interessante, tirando o fato de, às vezes, o gosto de uma espuma à base de funghi remeter a qualquer outro sabor - que não o do próprio funghi.

EXCESSOS QUE ESTRAGAM O PRATO

É inegável que os avanços tecnológicos recentes permitiram mudanças - para melhor - na cozinha. Com equipamentos como o forno a vapor e a técnica de cozimento a vácuo, é possível produzir pratos que, até dez anos atrás, simplesmente não poderiam ser concebidos. A culinária passou também a se valer de conhecimentos científicos, como a química, base para a tão inventiva cozinha molecular. O lado ruim dessa história é o deslumbramento de alguns chefs com tais descobertas. O uso excessivo delas, afinal, tem efeito exatamente oposto ao desejado: o gosto da comida fica artificial. Além disso, uma alta concentração de substâncias químicas pode até comprometer a saúde, como já foi demonstrado cientificamente. Sem dúvida, a criatividade é, por princípio, bem-vinda na cozinha. Mas todo bom chef deve ser inteligente o suficiente para conseguir inovar na medida do razoável.

DE FRANCÊS, SÓ O NOME

Existe por aí muito restaurante que se autointitula francês, mas passa ao largo da verdadeira comida servida na França. Isso é mais evidente nos países da América Latina, que não têm a tradição de enviar chefs à Europa para aprender as técnicas locais - muito menos para experimentar um bom foie gras. O resultado é um excesso de pimenta e temperos que só desfigura receitas consagradas ao longo dos séculos. As boas exceções são Brasil e Peru, exatamente porque nesses países há pelo menos um grupo de profissionais que, antes de se pretenderem chefs de restaurante francês, se dedicam a conhecer o básico. Fora da França, no entanto, ninguém prepara tão bem um steak au poivre quanto os japoneses. O trunfo deles é a disciplina. Se um chef ali erra, por questão de milímetros, o corte de uma carne, refaz tudo, até acertar. Isso ajuda a explicar por que Tóquio é a cidade que conta com mais estrelas no Guia Michelin, a bíblia da gastronomia. Sem altas doses de obsessão na cozinha, não dá para pensar em boa comida.




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