O Clientelismo (na Madeira e não só)
Política

O Clientelismo (na Madeira e não só)




Tudo indica que Jardim deverá conseguir uma nova maioria absoluta nas regionais do próximo fim-de-semana. Como é possível que os madeirenses o elejam novamente depois de tudo o que se está a passar? Como é possível que, após 33 anos de Jardinismo, se continue a querer mais do mesmo, afastando-se mais uma vez a possibilidade de mudança? Eis algumas das perguntas que andam no ar por estes dias. A explicação de censo comum que ouvimos da maioria dos comentadores é que os Madeirenses querem Jardim porque este lhes garante obra, lhes garante desenvolvimento. Trata-se de uma explicação fácil, que peca sobretudo por ignorar uma série de outros mecanismos que garantem a perpectuação no poder dos actores políticos.

Centremo-nos no caso da Madeira. Após mais de três décadas de poder, Jardim e o PSD-Madeira estão em todas as esferas da sociedade madeirense. Como? Uma das principais fontes do poder é a distribuição de recursos. Através de acções como as nomeações para o aparelho governativo, a concessão de empregos no sector público, a atribuição de subsídios ou outros apoios a empresas, associações ou à própria Igreja, a contratação de serviços ao sector empresarial na região - da empreitada pedida a uma empresa de construção civil à produção de um evento a uma empresa de gestão cultural, passando por publicidade oficial nos media regionais – compram-se fidelidades políticas muito significativas. São mecanismos geradores de dependências económicas que muito ajudam à manutenção do poder.

É este clientelismo que garante que os empresários X, Y e Z, que sempre tiveram contratos com o governo regional, não tenham interesse na mudança política; que o líder de uma associação que recebe fundos do governo regional não ande a defender a mudança; que a Igreja, que tem beneficiado de bons apoios na região, se alterne entre o apoio mais explícito e o silêncio aprovador; que a imprensa na região, dependente da publicidade oficial, não tenha vontade de levantar grandes ondas; que o o reitor da universidade, que até vai inaugurar um edifício novo no próximo ano, se abstenha de ter uma intervenção pública crítica da vida política regional; que o chefe dos bombeiros do concelho Y, a quem foi prometida uma nova ambulância até ao final do ano, simpatize com o sr. Jardim. E milhares de exemplos poderiamos dar sobre a forma como se estrutura o clientelismo numa realidade como uma região autónoma.

Mas é também esta tão grande capacidade de distribuir recursos que garante dificuldades adicionais à oposição para se constituir como alternativa. Numa sociedade em que estar contra um poder quase omnipresente é um garante de dificuldades adicionais a nível profissional, para não dizer social, só os mais arrojados embarcam em tal aventura. Por outro lado, a capacidade que o aparelho governamental tem em absorver os quadros que vão surgindo na região, convidando-os a assumir responsabilidades na administração pública ou em empresas públicas, asfixia a capacidade da oposição segurar gente nas suas fileiras.

Exemplos como os acima demonstram os perigos de estadas prolongadas no poder, independemente da força política que o ocupa. Neste caso em concreto, a sociedade madeirense encontra-se já tão enredada pelos tentáculos do poder do governo regional e do PSD-M, que deixou de ter a autonomia necessária ao bom funcionamento da democracia na região. Eis porque a rotatividade no poder é um importante indicador da qualidade da democracia. Tal garante a não proliferação de uma série de vícios associados às longas estadias no poder. E, como todos sabemos, infelizmente não é só na Madeira que tal fenómeno acontece.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

(Imagem: Ramble Tamble)



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