O desafio de sanear os bancos americanos
Política

O desafio de sanear os bancos americanos


BANCOS MAL-ASSOMBRADOS

Sugar do sistema financeiro as assombrações de 2,2 trilhões de dólares em créditos podres é prioridade de Obama e Geithner.
Sem isso, os bancos americanos vão à falência e a crise se aprofunda


Giuliano Guandalini

Reuters
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O presidente Barack Obama conseguiu que o Congresso aprovasse, na semana passada, um novo pacote de estímulo à economia americana, que já perdeu 3,6 milhões de empregos desde o fim de 2007. Perto de 800 bilhões de dólares deverão ser gastos nos próximos anos em programas sociais e no investimento em obras de infraestrutura, na tentativa de reanimar a atividade e deter a destruição de vagas de trabalho. A eficácia do pacote, que ainda levará tempo até sair do papel, é uma incógnita. Mas há consenso – um dos poucos em relação à crise – de que nada adiantará despejar bilhões de dólares em dinheiro público na economia sem que seja extirpada a carga de lixo tóxico que envenena os bancos. Por um simples motivo: se as instituições financeiras não se livrarem dos estimados 2,2 trilhões de dólares em créditos podres, elas não voltarão a emprestar ao setor privado. Daí a frustração causada pelo tímido, vago e confuso plano de resgate financeiro apresentado pelo secretário do Tesouro, Timothy Geithner (o caça-fantasmas à direita). O plano de estímulos faz sentido, mas adiou-se mais uma vez o plano mais vital, aquele de caça aos fantasmas que assombram o sistema financeiro americano – e o início do governo Obama. Ficou-se no campo das propostas.

Pela proposta do caça-fantasmas Geithner, o governo vai instituir um fundo para comprar os créditos podres. Bancado com dinheiro público (o total de recursos poderá chegar a 2 trilhões de dólares, quase o dobro do PIB brasileiro), esse fundo deverá atrair também a participação de investidores privados. A intenção é depositar esses ativos tóxicos em uma espécie de lixão de dejetos financeiros radioativos. Se o plano der certo, os investidores e o Tesouro poderão até lucrar no futuro, revendendo os papéis hoje sem valor. Mas Geithner deu poucos detalhes sobre como funcionará esse fundo e quando efetivamente ele será posto em prática. Sua linha de ação pouco difere da traçada por seu antecessor, Henry Paulson, há mais de um ano. O Plano Paulson não decolou por falta de clareza e apoio político. Afinal, o governo caminhava para seus últimos momentos. Os investidores esperavam muito mais de um presidente recém-empossado, com popularidade intacta e cercado de assessores de incontestável capacidade. Mas Geithner gaguejou. Pressionado a oferecer mais detalhes, afirmou que eles viriam "nas próximas semanas" – uma eternidade injustificável pelo contexto de emergência e, sobretudo, porque detalhes deveriam ser justamente o que Geithner teria para oferecer, uma vez que tempo ele teve. O secretário do Tesouro de Obama colaborou diretamente com a equipe econômica de Bush desde o início da crise. Caso a nova proposta não vingue, abre-se a possibilidade de uma intervenção federal nas instituições insolventes. Os ativos podres seriam depositados em um "banco ruim", a ser administrado pelo governo. Se nem isso funcionasse, só restaria uma solução ideologicamente difícil de engolir na terra do capitalismo liberal: a estatização de bancos insolventes.

Passados dezoito meses desde os primeiros sinais inequívocos da crise, em agosto de 2007, a lambança nas finanças americanas continua a céu aberto. Suas causas, ao menos, começam a ficar nítidas. Em um ambiente de alto crescimento mundial, inflação controlada e juros baixos, gestou-se uma bolha financeira inédita pela sua dimensão. Desde 2000, o endividamento dos americanos (incluindo aí empresas, bancos e famílias) subiu de 22 trilhões de dólares para 41 trilhões de dólares, no fim de 2007. Além disso, a fiscalização precária e a lassidão dos bancos no controle de riscos fizeram disseminar instrumentos financeiros e fundos de investimento altamente especulativos, que tinham como lastro papéis de baixa confiabilidade. Agora, dada a interdependência dos bancos internacionais, todo o sistema financeiro mundial sofre com a escassez de crédito (no Brasil, como mostra a próxima reportagem, a saída tem sido ampliar a atuação das instituições financeiras públicas). Para que os bancos saiam da unidade de terapia intensiva, será necessário sugar todo esse veneno de suas veias. Nem os mais brilhantes cérebros americanos, no entanto, conseguem se entender a respeito de como executar essa operação de maneira rápida e o menos dolorosa possível.

Exemplos de países que se meteram em enrascadas semelhantes ensinam que, sem sanear os bancos, não se vislumbra uma recuperação econômica duradoura. Basta olhar para o Japão, o grande fantasma que paira sobre os Estados Unidos. Depois do estouro de sua bolha, no fim dos anos 80, os japoneses injetaram trilhões de ienes na economia, mas procrastinaram por uma década o saneamento dos bancos. O efeito foi dramático: o país fez obras desnecessárias, endividou-se cada vez mais, e ainda assim não emergiu da letargia – justamente porque os bancos permaneceram insolventes. Obama já demonstrou que conhece os riscos de manter o sistema financeiro no ambulatório, mas, na semana passada, admitiu que ele pode "sobreviver um pouco mais com o band-aid", até que as autoridades identifiquem o tamanho exato do rombo nos bancos para depois pôr o plano em prática. Ao mundo, em suspense, resta esperar que os caça-fantasmas de Washington saibam mesmo o que estão fazendo.

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