O Fundo Soberano e o dólar O Estado de S. Paulo Editorial
Política

O Fundo Soberano e o dólar O Estado de S. Paulo Editorial


- 22/09/2010



O governo decidiu usar o Fundo Soberano do Brasil (FSB) para comprar dólares e conter a valorização do real. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, as autoridades estão preparadas para neutralizar o excesso de moeda estrangeira no mercado. Está previsto o ingresso de um grande volume de dólares para a capitalização da Petrobrás. "Se entrar, nós vamos comprar tudo", prometeu o ministro, em seu costumeiro tom de bravata. A intervenção do Fundo reforçará, segundo o plano anunciado, a ação do Banco Central (BC) no mercado de câmbio. De acordo com nota do Ministério da Fazenda, as novas operações não terão impacto no orçamento, por não se tratar de despesa pública, mas de gestão de recursos do Tesouro. Essa explicação é mais uma tentativa canhestra de esconder a realidade.

As compras adicionais de moeda estrangeira afetarão, sim, as contas públicas, porque uma de suas consequências será o aumento da dívida federal. Está prevista a emissão de títulos governamentais para as operações no mercado cambial.

Não haverá limites para as compras de dólares, de acordo com o Ministério da Fazenda. Mas o Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), onde está aplicado o dinheiro do Fundo Soberano, só dispõe de cerca de R$ 18 bilhões. Esse valor se esgotará em uma semana, se as compras chegarem a US$ 1,5 bilhão por dia. Além do mais, o FSB é uma instituição única em seu gênero, diferente de todos os outros fundos do mesmo tipo, e essa distinção, como certas singularidades brasileiras, está longe de ser positiva.

Fundos soberanos são normalmente constituídos em países com superávits fiscais e com reservas cambiais consideráveis. Na América do Sul, o Chile se distinguiu pela formação de um fundo desse tipo, com grande capacidade de investimento no país e no exterior. Para isso o governo chileno seguiu um caminho previsível e seguro. Arrumou as contas públicas, por meio de um ajuste de longo prazo. Adotou políticas contracíclicas, poupando nos anos de fartura fiscal e gastando com um pouco mais de folga nas fases de retração econômica. Por esse processo bem calculado, foi constituído o fundo, destinado tanto a produzir ganhos para o Estado quanto a servir como colchão de segurança para os tempos difíceis.

Mas o Brasil não tem superávit fiscal real há muito tempo. O governo tem conseguido, ano após ano, apenas pôr de lado algum dinheiro para pagar uma parte de sua dívida mobiliária, formada por papéis do Tesouro. Superávit primário não é superávit fiscal, a não ser quando é mais que suficiente para cobrir o serviço da dívida. Dessa perspectiva, o Fundo Soberano do Brasil é uma aberração, se não for apenas uma ficção.

Se em alguns anos o superávit primário foi maior que o programado, o governo poderia tê-lo usado mais sabiamente pagando maior parcela dos compromissos e reduzindo o endividamento. Seria uma forma de abrir espaço para a diminuição dos juros básicos. Isso reduziria um dos fatores de atração do capital especulativo e atenuaria o risco de valorização do real - além de favorecer, naturalmente, a expansão dos negócios do setor privado.

A primeira concepção do Fundo Soberano do Brasil já foi errada. O ministro da Fazenda propôs inicialmente formá-lo com reservas internacionais. Seria usada uma parte do estoque de moeda estrangeira, quando o total estivesse próximo de uns US$ 200 bilhões. Quando apresentou a ideia, o ministro desconhecia, aparentemente, um importante detalhe: seria preciso mexer na lei para mudar a aplicação dos dólares administrados pelo BC. Anunciado o plano do ministro, o presidente do BC teve de entrar em cena para mostrar o equívoco.

O episódio evidencia, além do espírito de improvisação, um detalhe importante para avaliação de toda a história: a ideia de criação de um fundo soberano surgiu bem antes de se ter uma noção de como formá-lo. Havia apenas a intenção política de criar um instrumento financeiro para apoiar, entre outras iniciativas, investimentos de empresas brasileiras no exterior. Aparentemente, ninguém se deu ao trabalho de examinar a bem-sucedida experiência do Chile nem de entender por que o governo chileno criou seu fundo.



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