O novo sócio - MÍRIAM LEITÃO
Política

O novo sócio - MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 19/07



A Venezuela, que está entrando no Mercosul, exibe a lamentável situação política descrita no relatório do Human Rights Watch. Na economia, o PIB cresce este ano puxado, principalmente, pelo aumento do gasto público. A construção de casas populares está sendo turbinada por razões eleitorais. O país exporta petróleo, por isso, os grandes beneficiários da integração podem ser Brasil e Argentina, mas até quando?

Dado que a Venezuela não cumpre o requerimento político básico para entrar no bloco, a grande pergunta é: na economia será um bom negócio? Num primeiro momento, pode ser bom para Brasil e Argentina, na opinião do economista Pedro Palma, da consultoria Ecoanalítica e professor do Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA) de Caracas.

Ele baseia sua tese no argumento de que a Venezuela tem importado cada vez mais para suprir a redução da capacidade produtiva provocada por uma política econômica hostil às empresas. Com o dólar artificialmente baixo, o país consegue reduzir o preço das importações; com um forte controle de preços, tem atingido diretamente a capacidade de produção interna.

A Venezuela vive há muitos anos com inflação anual entre 25% e 30%, a maior da América Latina. Segundo o último dado divulgado, agora está em 21,3% e deve terminar o ano entre 22% e 23%, de acordo com as previsões. O controle de preços é para evitar piora desse problema.

- Podemos exportar muito pouco além do petróleo, devido ao ataque persistente do governo à atividade produtiva privada, que destruiu boa parte da estrutura de produção interna e desestimulou investimentos. As expropriações e estatizações fizeram com que a produção em diversas áreas se tornasse pouco eficiente. Isso é verdade na agricultura, agroindústria, atividade manufatureira básica, como cimento e aço. Isso restringiu a capacidade de geração de oferta interna. Paralelamente a isso, o governo aumentou muito o gasto público - diz Palma.

Os dados mostram essa disparada: no primeiro semestre, a elevação foi de 24% em termos reais, descontada a inflação, na comparação com igual período do ano passado.

Em 2012, o país está crescendo forte. Segundo a previsão do FMI, o PIB deve ter alta de 4,7% este ano - bem acima, por exemplo, da projeção feita para o Brasil (2,5%). No primeiro semestre, a expansão foi de 5,6% em relação ao mesmo período do ano passado. O PIB da construção civil cresceu quase 30%. As importações aumentaram 48% em valor e 38% em volume para atender à demanda criada pelo governo para construir um ambiente favorável nas eleições. E está conseguindo. Hugo Chávez, que tenta o terceiro mandato, continua em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, bem à frente do candidato da oposição, Henrique Capriles.

O quadro político é resultado daquele lento desmonte do arcabouço institucional descrito no relatório "Apertando o cerco: concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez", da Human Rights Watch.

Na economia, a receita tem sido aumentar os gastos públicos, atender a demandas sociais que, de fato, existem, mas que são atendidas como favores paternalistas, e não como direito e, assim, criar o ambiente favorável. A conta certamente virá em aumento da inflação. Se a desaceleração mundial derrubar o preço do petróleo, o país tem queda do crescimento. Esse tem sido o padrão recente e o ponto de preocupação dos analistas. Pedro Palma comenta que os últimos anos terminados em 3 foram de profunda crise na Venezuela. Ele teme que 2013 seja assim também.

- O ano pode ser muito adverso, devido à queda do preço do petróleo e aos profundos desequilíbrios presentes na economia. Uma piora da crise europeia e a desaceleração nas economias dos EUA e da China podem traduzir-se em severas limitações às possibilidades de exportar dos países emergentes, no aprofundamento da queda dos preços das commodities e em restrição e encarecimento do financiamento internacional - disse.

Apesar de a Venezuela estar com gordos números de crescimento a apresentar num ano difícil, já houve o oposto. Anos em que a América Latina inteira cresceu, menos a Venezuela. O país tem tido um crescimento errático, uma política econômica intervencionista, uma tolerância com níveis de inflação muito altos. Para manter sua popularidade, Chávez aumenta gastos públicos usando as receitas do petróleo e até o caixa da PDVSA, uma empresa que tem tido dificuldades de manter o investimento.

A Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, foi imaginada para ser um investimento conjunto, mas a parte da Venezuela foi sendo sucessivamente adiada. Mas como ela foi projetada para refinar o petróleo daquele país, que é mais pesado, não se pode mais voltar atrás. O Brasil terá que processar lá o produto a ser importado da Venezuela.

Os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior mostram como está o intercâmbio entre Brasil e Venezuela: em 2011, a corrente de comércio atingiu US$ 5,9 bilhões, o que representou um aumento de 25% sobre 2010. Entre janeiro e junho deste ano, já chegou a quase US$ 3 bi. Na lista dos principais produtos exportados pelo Brasil, há bovinos vivos, carne congelada, aquecedores, peças para veículos. Para a Venezuela, exportamos mais produtos manufaturados, o que não é a regra. Pelo menos, isso.



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