No Brasil, costumamos condicionar a solução de problemas a um mítico
conceito de reforma, que consiste em abandonar tudo o que antes
existia e instituir uma nova realidade. Não se tem clareza quanto à
natureza e amplitude dos problemas, muito menos consenso sobre o que
minimamente se deva fazer. Ainda assim, as "reformas" são a panaceia
para problemas políticos, tributários, previdenciários, trabalhistas
ou qualquer outro que propicie um adjetivo conveniente para a palavra
reforma.
Em lugar de buscar soluções para problemas específicos, opta-se por
aguardar uma abrangente reforma, que somente prospera em ocasiões
excepcionais, como rupturas da ordem institucional, catástrofes,
guerras, etc. Reformas devem ser tidas como processo permanente,
porque as circunstâncias mudam e os modelos inevitavelmente se tornam
obsoletos.
Os debates sobre a reforma política gravitam em torno do financiamento
das campanhas e dos sistemas eleitorais (voto distrital, distrital
misto, majoritário ou em lista fechada, em contraposição ao vigente
sistema proporcional).
Não há soluções universais para o tema. O que se deve evitar tão
somente são regras francamente inconsistentes, como a coligação em
eleições proporcionais, bem como as que ofendem a ordem
constitucional, como a votação em lista fechada que se presume ferir a
cláusula pétrea que prescreve o voto direto.
Infelizmente, conquanto sem surpresa, os debates não tangenciam o
aviltamento da qualidade intelectual e moral da representação popular.
Ulisses Guimarães dizia que cada legislatura era pior que a anterior.
Os fatos parecem dar razão a essa visão pessimista. As Casas
Legislativas vêm sendo estigmatizadas por sucessivos escândalos. Há
uma clara crise de representatividade.
A utilização abusiva das medidas provisórias converteu o Congresso
Nacional em entidade homologatória de normas editadas pelo Executivo,
sob a égide de negócios associados à liberação de emendas e restos a
pagar, e das despudoradas práticas de fisiologismo e aparelhamento.
Essas reprováveis condutas associadas ao foro privilegiado constituem
um extraordinário atrativo para que pessoas pouco virtuosas procurem,
a qualquer custo, um mandato parlamentar.
A liberação de emendas e restos a pagar é apenas um aspecto de um
processo orçamentário que se tornou completamente anárquico. Orçamento
público é contemporâneo da democracia moderna. Sua decadência,
portanto, implica elevação do déficit democrático.
As propostas orçamentárias anuais remetidas ao Legislativo se sujeitam
a toda sorte de manipulações, usualmente com o objetivo de acomodar
demandas políticas pouco criteriosas. O fundamento utilizado para
revisão das receitas é um singelo e bem-intencionado mandamento
constitucional que admite essa hipótese no caso de "erros e revisões".
Essa norma a tudo se presta.
As receitas, por sua vez, podem ser alteradas após a remessa da
proposta orçamentária, porque as regras de anterioridade tributária
não vedam essa possibilidade, o que dá ensejo às denominadas "receitas
condicionadas".
A Lei de Diretrizes Orçamentárias, que deveria, nos termos da
Constituição, dispor sobre alterações tributárias, é vítima de
inobservância contumaz. Além do mais, a qualquer tempo, ela pode ser
alterada por medida provisória.
Aprovada a lei orçamentária, com receitas em princípio irrealistas,
segue-se, invariavelmente, um contingenciamento das despesas,
inopinadamente revisto ao sabor da vontade política do Poder
Executivo, inclusive para atender a pressões decorrentes de votações
no Congresso Nacional.
O que não se libera passa a engrossar um cada vez mais expressivo
montante de restos a pagar, cuja administração corresponde a um
verdadeiro orçamento paralelo.
As ditas emendas, muito frequentemente, servem como moeda de pagamento
ao apoio de políticos e empresários, não raro com finalidades escusas.
Afora isso, como quase sempre representam transferências voluntárias
para Estados e municípios, servem para tornar ainda mais caótico o
esdrúxulo federalismo fiscal brasileiro.
A administração pública requer regras mais claras para o provimento
das funções públicas de direção e assessoramento. Tal como está hoje,
jamais teremos uma gestão republicana, com o risco de perder as poucas
ilhas de excelência que ainda resistem aos apetites políticos.
O foro privilegiado é evidência de atraso institucional. O
constrangimento à atividade política, por meio de ações judiciais,
deve ser combatido por uma lei de crimes por abuso de autoridade, e
não pela outorga de privilégios exorbitantes.
Certamente, é preciso aperfeiçoar o sistema eleitoral, reduzir a
demanda por gastos nas campanhas e fortalecer os partidos. Tenho,
entretanto, sérias dúvidas se essas medidas irão repercutir
efetivamente sobre a qualidade da representação política.
Ainda que possa parecer utópico, a reforma política deveria reservar
atenção para o processo orçamentário, a profissionalização da
administração pública e a limitação do foro privilegiado e das medidas
provisórias.