Política
O papel do STF Luiz Garcia
O GLOBO - 28/09/10
Se uma lei é boa, quanto mais cedo entrar em vigor, melhor. Se os objetivos de uma lei atendem ao interesse público, a lei deve impedir que eles sejam desprezados, por meio de farsa ou sofisma.
O parágrafo acima deveria ser desnecessário.
Apenas afirma o óbvio. Mas o óbvio acaba de ir para escanteio, no caso da Lei dos Fichas Limpas. Aprovada graças a uma inédita - e comovente e maravilhosa - mobilização da opinião pública do país inteiro, a lei determina que candidatos a cargos legislativos e executivos não tenham manchas em suas folhas corridas.
Entende-se por mancha a condenação em qualquer órgão colegiado; ou em segunda instância, o que dá no mesmo.
No momento, está em julgamento no Supremo Tribunal Federal uma questão, digamos assim, simplesmente cronológica: a lei vale para as eleições deste ano? O observador leigo tem todo o direito de achar, também simplesmente, o seguinte: o que é bom, quanto mais cedo, melhor.
O STF interrompeu uma votação sobre isso na semana passada - ou seja, num momento muito próximo das eleições deste ano - por motivos simplesmente (advérbio ainda necessário) medíocres, indignos de um colégio que, em princípio, deveria ser formado por juristas com dedicação integral ao serviço. Mas o tribunal interrompeu a votação sobre a vigência da lei pelo motivo rasteiro de que alguns de seus membros tinham mais o que fazer.
É mais ou menos o mesmo que um bombeiro se recusando a apagar um incêndio porque tem de ir às compras.
Estava em pauta o caso do ex-governador Roriz, de Brasília, candidato a voltar ao cargo. O STF não julgou o processo em que ele é réu por falta de quorum. É verdade que Roriz, pelo sim, pelo não, preferiu abdicar da candidatura, pondo em seu lugar a senhora sua esposa. Não tem sentido imaginar-se que, com isso, ele tornou inócuo o atraso na decisão do STF.
Se a maioria dos ministros cumprisse seu dever de julgá-lo, o fato teria importante e talvez decisivo impacto eleitoral.
Uma vez condenado, Roriz teria alguma dificuldade para ser - por assim dizer - eleito por interposta pessoa.
No fim das contas, o eleitor votará ou não em Roriz, seja o candidato ele ou ela.
Caso os ministros do STF arrumassem um tempinho para decidir sobre a elegibilidade do cabeça do casal, tudo seria bem diferente.
Em outras palavras, o adiamento do julgamento não pode ser visto como um acidente natural de percurso.
O tribunal decidiu não julgar, no momento em que julgar era indispensável.
Assim, influiu - indireta, mas fortemente - no resultado de uma importante eleição.
Não parece ser esse o seu papel.
Os fichas-limpas do país inteiro estão decepcionadíssimos.
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