Veja - 02/05/2011 |
Sai em livro a reconstituição da vida de Bernard Madoff, filho de um pai falido que virou lenda no mercado até explodi-lo com a maior fraude financeira de todos os tempos. (Por No dia 10 de dezembro de 2008, na vertigem da maior crise financeira desde os anos 30, Befllard Madoff, o bruxo de Wall Street o mago das finanças, o gênio do mercado, resolveu reunir a falIl11ia e contar que era tudo mentira. Na empresa, Madoff chamou os dois filhos e convi¬dou-os para ir até a sua cobertura dúplex. Ligou para Ruth e a avisou da reunião de família. Ao chegar com os filhos, foi re¬cebido pela mulher. Sentaram-se os qua¬tro no elegante escritório da cobertura, decorado com pinturas marinhas. Ma¬doff contou então que era uma farsa. Ha¬via décadas, ele vinha operando um esque¬ma de pirâmide financeira, remunerando o primeiro cliente com o dinheiro do se¬gundo, o segundo com o dinheiro do ter¬ceiro, e assim por diante - sem jamais produzir rendimentos reais. Não existam aplicações de verdade. Era tudo uma frau¬de gigantesca. Madoff chora, diz que vai se entregar à polícia em uma semana, de¬pois de mandar cheques devolvendo di¬nheiro para parentes e amigos mais próxi¬mos. Ruth e os filhos choram, estão em estado de choque. Mark está furioso. An¬drew está prostrado. De repente, Andrew curva-se no chão, às lágrimas, depois le¬vanta-se, abraça o pai com ternura. O chão saiu dos pés. O mundo desabou. Mais tarde, Andrew vai relembrar esse momento – a última vez que a família se reuniu – como uma "traição de pai para filho de proporções bíblicas". A trajetória de Madoff, do começo da vida como filho de um pai que pulava de falência em falência até o fim numa pri¬são na Carolina do Norte, está minucio¬samente descrita• no livro The Wizard of Lies (O Gênio das Mentiras), da jornalis¬ta Diana Henriques, que chegou às livra¬rias americanas na semana passada. A amora, que cobriu o escândalo Madoff para o jornal The New York Times, é a primeira jomalista a entrevistar o frauda¬dor depois da queda. Esteve com ele na prisão federal de Bumer, na Carolina do Norte, em duas oportunidades, em agosto de 2010 e em fevereiro passado. O acesso exclusivo ao criminoso é o ponto alto do livro. Graças a isso, fica-se sabendo que a primeira trapaceada de Madoff aconte¬ceu já na crise de 1962. Ele não a atraves¬sou incólume, como parecia. Ele faliu. Investiu o dinheiro de "parentes e ami¬gos" em aplicações de alto risco, o que era irregular, e perdeu. Para esconder o rombo e a ilegalidade que cometera apli¬cando onde era proibido, pediu 30000 dólares ao sogro, cobriu as perdas dos clientes e deixou todo mundo pensando que navegara a crise com seus primeiros lampejos de genialidade. Nos anos 80, ajudou bilionários a enganar o Fisco e evadir divisas, sobretudo na França do socialista François Mitterrand. Mas as entrevistas não esclarecem a data do ini¬cio da pirâmide financeira. Ele diz que começou tudo em 1992, mas pode ter si¬do bem antes, nos anos 80. A empresa de Madoff ocupava três andares de um edifício em Nova York. Em dois, funcionava a empresa de verda¬de, legal, onde seus filhos trabalhavam. No outro andar, operava a máquina de fraude, sob o disfarce de central de dados. Ali, com pouquíssimos cúmplices, Ma¬doff tinha programas de computadores que falsificavam extratos, recibos, tudo. Tinha até programa para simular as ope¬rações que dizia fazer em Wall Street e no mercado europeu. Quem sentasse à fren¬te da tela do computador via as operações de Madoff sendo registradas em tempo real- mas era tudo mentira, uma simu¬lação concebida por Frank DiPascali, um falsário, esse, sim, genial. Apesar da so¬fisticação, a fraude era elementar. Para desmascará-la, bastava checar a autenti¬cidade das operações com a contraparte em Wall Street ou na Europa. Mas esse passo banal nunca foi dado. Numa inves¬tigação, Madoff chegou a entregar aos fiscais uma lista de seis páginas relacio¬nando as entidades com as quais teria negociado. Uma aposta arriscadíssima. "Pensei que era o fim do jogo, que tudo estava terminado", diz ele. Durante três meses, ele esperou o dia em que um fiscal" ligada dizendo que não encontrara ope¬ração nenhuma. O dia nunca chegou. A Securities and Exchange Commission (SEC), fiscal do mercado, levou uma an¬rológica saraivada de bolas nas costas. Recebeu seis denúncias claras sobre as fraudes de Madoff. Ignorou todas. O ana¬lista financeiro Harry Markopolos, de Boston, descobriu a tramóia oito anos antes da explosão. Fez repetidas denún¬cias à SEC. Foi tratado como um amalu¬cada excêntrico. Madoff construiu a primeira pirâmide financeira de dimensões globais. Quando veio abaixo, incinerou 64,8 bilhões de dólares em papel e cerca de 20 bilhões de dólares em moeda sonante. Entre os 20000 tungados, há vítimas de rodas as latitudes. Há gente de classe média, como a viúva que aplica a pensão do falecido, e bilionários diversos, como banqueiros suíços, aristocratas franceses ou nababos de Dubai. A familia Madoff também é uma vítima de seu patriarca. Naquele de¬zembro de 2008 em que souberam da fraude, os filhos Mark e Andrew denun¬ciaram o caso às autoridades e o pai foi preso no dia seguinte. Nunca mais pais e filhos se reencontraram. Naquele primei¬ro Natal. Ruth e Madoff, solto sob fiança mas com os bens bloqueados, mandaram de presente para os filhos joias pessoais que estavam em casa, junto com um car¬tão de desculpas e saudades. Os filhos entregaram as joias para a policia e não responderam ao cartão. Em fevereiro de 2009, nasceu o quarto filho de Marlc, que os avós não foram autorizados a conhe¬cer. Em dezembro de 2010, no dia do aniversário de dois anos da prisão do pai, Mark suicidou-se no seu apartamento. Seu corpo foi cremado numa cerimônia privada à qual a mãe não pôde ir. Madoff foi condenado a 150 anos de prisão. É o prisioneiro número 61727054. É proibido de gastar mais do que 290 dólares por mês na cantina do presídio. |