Pela ordem jurídica vigente, a decisão do Conselho Nacional de
Imigração é ilegal. Ela colide com a Lei 6.815/81, que criou o órgão e
define a situação jurídica dos estrangeiros no Brasil. O inciso IV do
artigo 7.º dessa lei proíbe taxativamente a concessão de visto "ao
estrangeiro que foi condenado ou processado em outro país por crime
doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira".
É justamente esse o caso de Battisti. Ele foi condenado à prisão
perpétua pela Justiça italiana por quatro assassinatos cometidos na
década de 1970, quando integrava a organização terrorista Proletários
Armados para o Comunismo. No momento em que Battisti foi processado,
julgado e condenado, a Itália vivia em plena normalidade política e
constitucional, ou seja, sob democracia plena.
Battisti também já foi condenado no Brasil pela primeira instância da
Justiça Federal à pena de dois anos em regime aberto, convertida em
pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade, por usar
passaportes franceses falsificados, encontrados quando foi preso pela
Polícia Federal, em 2007, a pedido do governo italiano. Ele recorreu,
mas a decisão foi mantida há cinco meses pelo Tribunal Regional
Federal da 2.ª Região. No inciso II do artigo 7.º, a Lei 6.815 também
proíbe a concessão de visto "ao estrangeiro considerado nocivo à ordem
pública".
Por mais que se apresente como perseguido político, Battisti, do
estrito ponto de vista técnico-jurídico, não preenche os critérios
previstos pela legislação para a obtenção de visto de residência. Por
isso, a Procuradoria-Geral da República - o órgão encarregado pela
Constituição de "defender a ordem jurídica" - não tem outra saída a
não ser contestar judicialmente a decisão do Conselho Nacional de
Imigração e exigir o cumprimento do direito positivo.
Foi com base nessa legislação que, em 2009, a Procuradoria-Geral da
República emitiu um parecer contrário à concessão de asilo a Battisti
- posição que foi endossada pelo Comitê Nacional para os Refugiados,
uma comissão interministerial encarregada de receber os pedidos de
refúgio e determinar se os solicitantes reúnem as condições jurídicas
necessárias para serem reconhecidos como refugiados.
Surpreendentemente, o então ministro da Justiça, Tarso Genro,
desprezou as duas decisões e concedeu o status de refugiado político a
Battisti.
Classificando a iniciativa de Genro como "grave e ofensiva", o
Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália recorreu ao Supremo
Tribunal Federal, acusando o governo brasileiro de não cumprir o
tratado de extradição firmado pelos dois países em 1989. Mas, em vez
de dar uma solução clara e objetiva ao caso, em 2010 a Corte, numa
decisão ambígua, autorizou a extradição, mas deixando a última palavra
ao presidente da República. Pressionado pelo ministro da Justiça, por
um lado, e pelo governo da Itália, por outro lado, Lula deixou claro
que concederia asilo a Battisti - o que só fez no último dia de seu
mandato - e pediu à Advocacia-Geral da União um parecer que
fundamentasse sua decisão. Cumprindo a determinação, o órgão desprezou
a legislação e preparou um parecer político, dando as justificativas
"técnicas" de que o presidente precisava para decidir pela permanência
de Battisti no País, com o status de imigrante.
O governo italiano voltou a recorrer e o Supremo, para perplexidade
dos meios jurídicos, também agiu politicamente, ignorando tanto o
tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Itália quanto a
própria legislação brasileira sobre estrangeiros. Essa desmoralização
das instituições jurídicas foi aprofundada ainda mais com a concessão
do visto de permanência a Battisti, pelo Conselho Nacional de
Imigração.