Política
Os pobres que paguem a crise
As crises começam sempre por afectar os sectores mais vulneráveis da população. É uma lei da física. A base da pirâmide social, constituida pelos sectores mais afectados pelo desemprego, pelo trabalho precário, pelos salários baixos, empregados em áreas particularmente sensíveis à procura, os pensionistas com baixas reformas, são os que mais sentem o embate de qualquer flutuação económica. Espera-se assim que o poder público crie condições para minimizar o impacto da crise nestes sectores da população. No fundo, o Estado, com o seu papel de providência, de regulador social, deve tentar minimizar o impacto da crise na população que à partida já sofre bastante com a mesma. Faz sentido, não faz? Pois, o problema é que nem tudo o que faz sentido acaba por acontecer, ainda mais nestes momentos conturbados.
Um estudo da Comissão Europeia, divulgado na semana passada, veio demonstrar que Portugal é o único país, entre um grupo de seis particularmente afetados pela crise na União Europeia, onde as medidas de austeridade pesaram mais sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos. Ou seja, entre a Grécia, Espanha, Irlanda, Reino Unido e Estónia, Portugal é único país onde os pobres pagaram proporcionalmente mais que que os ricos no âmbito do esforço de consolidação das contas públicas. As medidas de austeridade diminuiram o rendimento disponível dos 20% mais pobres em Portugal entre 4,5% e 6%. No caso de famílias com filhos, os cortes podem mesmo atingir os 9%. No que aos mais ricos diz respeito, sentiram perdas até 3%, quer em agregados com filhos ou sem filhos.
O estudo «The distributional effects of austerity measures: a comparison of six EU countries», que tem em conta o período entre 2009 e Junho de 2011, acaba assim por demonstrar o empenho nacional em manter-se no top da desigualdade a nível da UE. Já éramos o país mais desigual da Europa. Juntamos agora a tão honrosa distinção o reconhecimento de que somos os que mais usam a austeridade para tornar os pobres ainda mais pobres. E como se tal não bastasse, importa salientar que o estudo não incluiu nos seus cálculos o impacto resultante dos cortes orçamentais nos serviços públicos. O que, tendo em conta que é tendencialmente a população mais carenciada que mais depende da rede pública de assistência social, poderá piorar o já catastrófico cenário.
Um dos “pormenores” do estudo é o facto de analisar um período de atuação do último governo do PS em Portugal (Janeiro de 2009 a Junho de 2011). Assim sendo, os sectores socialistas que, de forma mais ou menos sincera, minimizam a austeridade protagonizada por José Sócrates têm aqui uma nova (e urgente) oportunidade para refletir melhor. Mas a delimitação temporal leva-nos a uma segunda e mais importante conclusão: ainda não tem em conta as duríssimas medidas decretadas pelo atual Executivo no seguimento do memorando assinado com a troika. Ou seja, os resultados não refletem ainda medidas como, a título de exemplo, os cortes salariais na função pública, o aumento das taxas do IVA ou o aumento das taxas moderadoras.
A verdade La Palice de que os pobres é que estão a pagar a crise encontra-se quase gasta de tanto ser repetida pelos sectores políticos mais à esquerda. Mas desta vez foi a Comissão Europeia que veio comprovar tal fenómeno, acrescentando ainda que Portugal é o país mais empenhado em aprofundar a referida tendência. Bem sei que este estudo será esquecido em menos de uma semana. Mas até lá, o mínimo que podemos fazer é esfregar as suas conclusões na cara dos sectores mais “distraídos” com a calamidade social em curso.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Irational)
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