Os vândalos festejam a Lei da Copa - GUILHERME FIUZA
Política

Os vândalos festejam a Lei da Copa - GUILHERME FIUZA


REVISTA ÉPOCA

Com a bebida liberada, eles poderão encher a cara e se matar mais
pertinho de seus times do coração


Ato contínuo ao assassinato de dois torcedores do Palmeiras, em
confronto com a torcida do Corinthians, o Parlamento brasileiro
acertou a votação da Lei Geral da Copa. Trata-se de um conjunto de
normas que permitirão, com jeitinho, a venda de bebidas alcoólicas nos
estádios e arredores. Essa prática foi proibida no Brasil por causa de
todo o sangue que já correu em torno dos jogos de futebol. É uma ótima
notícia para os vândalos: eles poderão encher a cara e se matar mais
pertinho de seus times do coração.

O problema é que a liberação alcoólica só vale para o período da Copa
do Mundo. Em vez de trucidar palmeirenses ou corintianos, os boçais
terão de se contentar com os argentinos. Melhor do que nada. Chato vai
ser a ressaca depois da Copa. Como dizer aos beberrões que o sonho
acabou e que a liberação do porre foi só um soluço da lei?

Dá-se um jeito. Remendos morais são o forte desse povo cheio de ginga.
Quem sabe até esse habeas corpus trôpego firme jurisprudência e a
tecnologia da Copa seja exportada para o Carnaval. Para não
constranger a venda de cerveja, não haveria blitz de Lei Seca nos dias
de folia. Trânsito livre para a alegria, as trombadas e os sopapos. O
técnico da Seleção Brasileira, que acaba de perder a carteira de
habilitação por se recusar a soprar o bafômetro, já não teria o que
temer. Com a anistia alcoólica nas ruas e nos estádios, Mano Menezes
poderia dirigir seu carro e a Seleção com a mesma calibragem - o que
talvez até tirasse seu time do marasmo.

Há quem considere a proibição de bebidas nos estádios uma medida
discutível. Indiscutível é a vocação cômica de um país que transforma
isso em lei, em nome da segurança dos cidadãos - e depois resolve dar
a essa lei umas férias de 30 dias. E a segurança dos cidadãos? Sairá
de férias também, é o jeito.

O acordo para votar a Lei da Copa foi regido pelo presidente da
República, Marco Maia. Aproveitando que Dilma Rousseff levara o
consultor Fernando Pimentel e mais um exército de companheiros para
uma volta na Índia, na ausência do vice, o petista gaúcho sentou-se na
cadeira da chefe disposto a arrumar a casa. E futebol é sua
especialidade. Como presidente da Câmara dos Deputados, a primeira
medida de Marco Maia foi convidar o deputado Romário para uma missão
na Espanha: assistir ao clássico Barcelona e Real Madrid. Um homem que
sabe para que serve o poder.

Quis o destino que o mandato de Marco Maia como presidente do Brasil
coincidisse com a guerra fatídica entre corintianos e palmeirenses.
Momento propício para o acordo histórico que afrouxará as regras de
segurança em torno do futebol. Mas esse acordo não saiu de graça. Em
troca da licença para beber, foi oferecida a licença para desmatar. É
o primeiro país do mundo onde a base para a Lei da Copa será o código
florestal. O time dos ruralistas pôs a bola debaixo do braço e avisou
que só devolvia se sua anistia passasse com a dos bêbados.

Aliviar multas de desmatadores e ampliar sua área de ação é, portanto,
um dos requisitos para a Copa no Brasil. Com otimismo, sempre se
encontra uma lógica: todo pasto é, potencialmente, um campo de
futebol.

O novo código florestal é cheio de controvérsias, tem até defensores
respeitáveis. A única certeza é que ecologistas do mundo inteiro o
abominam. E ele será aprovado às vésperas da conferência de meio
ambiente no Brasil (Rio+20). É muita esperteza. De positivo, essa
polêmica pode ao menos ajudar a preservar outra selva - a das obras
obscuras da Copa.

São muitas, mas nenhuma há de roubar a supremacia do Itaquerão.
Qualquer acordo é brinquedo perto desse empreendimento mágico. De uma
só tacada, jogou para escanteio o Morumbi (e um pedaço da história do
futebol brasileiro), arrancando quase R$ 900 milhões dos cofres
públicos para erguer um estádio novinho em folha. Uma tabelinha mortal
de Lula, Ricardo Teixeira, Ronaldo Fenômeno, uma empreiteira e um
testa de ferro do Corinthians, time de coração do ex-presidente e
futuro dono do pedaço. A última notícia é que os sócios estão pegando
um vale de R$ 300 milhões no Banco do Brasil para desenguiçar a obra.

Viva a anistia alcoólica! Ver abertura de Copa do Mundo no Itaquerão,
só mesmo bêbado.




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