Parte no ajuste - CELSO MING
Política

Parte no ajuste - CELSO MING



O Estado de S.Paulo - 11/10



Quando derruba os juros básicos a níveis mais próximos da inflação, o Banco Central do Brasil não age muito diferentemente da maioria dos grandes bancos centrais.

O objetivo por estes declarado é sempre o de operar a política monetária (política de juros) de maneira a ajudar na superação da crise, tendo-se como favas contadas a ausência do principal inimigo a combater.

E, de fato, a inflação anda meio desaparecida nos países avançados desde os últimos anos da década de 1990. Naquela fase, o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Alan Greenspan, admitia que trabalhava com juros no chão por não ver disparada dos preços. Atribuía o fato tanto à derrubada dos custos dos produtos industrializados - graças às importações da China - como à incorporação de Tecnologia da Informação ao processo produtivo, altamente poupadora de todos os fatores de produção, especialmente de mão de obra.

Embora o objetivo declarado da prática de juros baixos por tanto tempo pelos grandes bancos centrais seja a necessidade de reativação do setor produtivo, o efeito mais importante é a desvalorização das dívidas soberanas. Só o Tesouro dos Estados Unidos já deve perto de US$ 16 trilhões (107% do PIB), a dívida bruta total da área do euro corresponde a outros US$ 10 trilhões (90% do PIB) e a do Japão, a US$ 12 trilhões (240% do PIB).

Seriam dívidas insustentáveis e, portanto, impagáveis, caso sua remuneração se mantivesse acima da inflação (remuneração real). Ou seja, as atuais políticas monetárias fortemente expansionistas dos bancos centrais, desempenham a função de ajudar os governos dos países avançados a desvalorizar em termos reais os passivos dos seus Tesouros. Em outras palavras, os grandes bancos centrais cumprem com suas políticas monetárias determinados objetivos fiscais.

Quando o Banco Central do Brasil manobra para puxar para baixo o juro real, está tocando a mesma partitura. Corre lá seus riscos, que não são maiores do que aqueles a que estão sujeitos outros bancos centrais. De mais a mais, seus dirigentes sempre poderão argumentar que estão em boa companhia.

Os mais ortodoxos advertem que criança não deve brincar com fogo. Eles temem que a inflação volte a consumir o circo. Nestes tempos de intensa incorporação de mão de obra barata e de aumento da utilização da Tecnologia da Informação, o risco mais alto talvez não seja a cavalgada dos preços, mas a já notória desvalorização da poupança e dos patrimônios financeiros privados.

Em todo o mundo trilhões e mais trilhões de dólares em reservas dos fundos de pensão e de investimento, dos planos de aposentadoria complementar e das seguradoras vêm sendo persistentemente desvalorizados. E não é um processo com prazo para terminar. Começou lá atrás, como ficou dito, e prosseguirá indefinidamente. O presidente do Fed, Ben Bernanke, avisou há duas semanas que ninguém deve esperar pela alta dos juros básicos dos Estados Unidos (hoje em torno de zero por cento ao ano) antes de meados de 2015. Apenas neste período de crise, já são sete anos de juros rastejantes.

Enfim, por toda parte, a poupança privada está sendo requisitada para ajudar a tirar os Tesouros soberanos da encalacrada.



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