Oscar Cabral | SUPERAÇÃO |
Uma das imagens mais marcantes da Olimpíada de Pequim foi a do ginasta Diego Hypolito despencando no chão na final da prova de solo. Diego era o retrato da incredulidade. Era mesmo espantoso. O movimento que o derrubou era de dificuldade média e uma especialidade sua desde os 12 anos de idade. Perdeu a medalha de ouro, sendo o favorito ao pódio. O pior veio depois. Com a fama de ter "amarelado" na final, sumiram os cinco patrocínios individuais que tinha – somavam cerca de 40 000 reais por mês – e ele chegou a cogitar abandonar o esporte. Um ano e meio depois, Diego se reergueu. Em 2009, viveu o melhor ano de sua carreira. Ganhou sete medalhas de ouro e duas de prata na Copa do Mundo. Foi pela quarta vez o melhor do mundo no solo, sua especialidade. Terminou como dono das três melhores notas da modalidade. E ainda vai se mudar com a família para uma cobertura de sete quartos num condomínio de luxo na Barra da Tijuca. No Ginásio do Flamengo, onde treina, Diego falou ao repórter Ronaldo Soares. Seguem-se os principais trechos da entrevista.
O TRAUMA
Se eu perdesse sem cair, ficaria triste. Mas aceitaria, porque alguém teria sido melhor do que eu. O problema é que eu caí. Perdi para o meu tombo. É a cena mais ridícula que tenho na memória. Fiquei envergonhado depois. Eu tinha vergonha porque sabia que todo mundo acreditava demais em mim. São raros os atletas que têm chance de medalha numa Olimpíada. Eu sabia que todo mundo esperava aquilo, a minha medalha. Mas eu não perdi por ter sentido a pressão. Porque na realidade eu gosto de ser cobrado, gosto de plateia, gosto de mostrar meu trabalho. Pode haver 15 000, 20 000 pessoas, se tiver gente para assistir, eu vou querer mostrar meu trabalho.
AS EXPLICAÇÕES
O ano passado foi muito diferente para mim. Geralmente sou relaxado, alegre, brincalhão, gosto de sair para me divertir, ir à praia, ao shopping. No ano passado, vivi a ginástica 24 horas por dia. Só treinava, só pensava em ginástica e na Olimpíada. Fiquei muito neurótico. Parei minha vida por causa dos treinos. Operei o joelho meses antes da Olimpíada e logo depois da cirurgia tive dengue. Perdi 9 quilos e, duas semanas depois, tinha engordado 11 quilos. Houve uma alteração de peso muito grande em pouco tempo, meu corpo demorou a se adaptar. Mas acho que meu grande erro foi ter mudado minha vida.
ESPORTES X DIVERSÃO
Gosto de sair para dançar. Às vezes fazem fotos minhas em momentos em que estou me divertindo, à noite. Não gosto, mas é inevitável. É por causa da carência de ídolos no Brasil. Acho que o atleta tem de ter limite, e eu tenho. Não bebo nem saio se achar que isso vai me atrapalhar. Para mim, a ginástica está acima de tudo. No Brasil, o atleta se torna muito ilustre quando apresenta bons resultados. Isso acaba atrapalhando. Se não souber administrar essa situação, ele se perderá no caminho. Acho que é o que acontece com a maioria. Ganha alguma coisa e aí todo mundo quer ver, quer que faça tudo, que vá a todos os eventos, que saia em todos os lugares. Não é assim. Tem de haver um limite, saber aonde vai, se aguenta. Por isso não gosto quando me comparam com jogador de futebol. A maioria dos que vão para a night é bem diferente de mim.
O PASSADO
Quando vim para o Rio de Janeiro com minha família, passamos por momentos muito difíceis. Eu tinha 11 anos de idade. Viemos de São Paulo com um sonho, mas no início foi péssimo. Minha irmã veio para treinar no Flamengo, mas o salário dela atrasava mais de quatro meses. O clube tinha prometido um trabalho para o meu pai, mas não conseguiu. Ele ficou muito tempo desempregado, fazendo bicos, como motorista ou vendendo livros em sinal. O que ganhava num dia, gastava no dia mesmo, para a gente comer. E só dava para o arroz e o feijão daquele dia. Cheguei a vender refrigerante e cerveja na praia, em Copacabana, para ajudar em casa. Não tenho vergonha. Até pisei num prego no primeiro dia, tive de tomar antitetânica, foi muito azar. Havia uma época do ano em que tinha uma caixinha no Flamengo e os atletas davam pelo menos 10 reais para melhorias no ginásio. A gente não tinha dinheiro para pagar isso de jeito nenhum. Dez reais era muita coisa para nós. Sofremos preconceito de muitas pessoas naquela época. Porque éramos caipiras e pobres, nos chamavam de Família Buscapé.
O PRESENTE
É muito feio o que acontece no Brasil com o esporte olímpico. Entendo que exista uma crise financeira no mundo, entendo milhões de coisas. Minha queda na Olimpíada foi ruim? Foi. Mas não ia desistir por causa de um tombo. Eu me senti desvalorizado quando perdi os cinco patrocínios individuais que tinha, por causa do tombo. No entanto, até ali foram muitas vitórias consecutivas. Desde o fim de 2003 tenho resultados excelentes. E de uma hora para outra perder todos os patrocínios... Não é possível. No Brasil, a gente realmente tem de ser mais do que herói. Além de ficar sem patrocínio, eu não recebia salário no Flamengo. Tive uma reunião com o ministro do Esporte, que tentou me ajudar. O COB me ofereceu psicólogo e nutricionista. Eu tenho clube supostamente, porque amo o Flamengo, mas salário eu não recebo. Não posso fazer uma imagem de que tudo está certo, se está tudo errado.
LIMITES DO CORPO
A gente sofre com o grande problema do esporte de alto nível: as lesões. É comum. Quem trabalha no limite do corpo vai sofrer microlesões constantemente. Quando era mais novo, eu me machucava demais porque não queria contar ao médico que estava com dor. Porque não queria parar de treinar. Sempre fui assim. Isso durou até 2005, quando minha lesão no pé direito se agravou porque voltei a treinar antes do tempo. Eu dizia "não está doendo, estou ótimo", ficava com medo de fazer exame e o pé ainda estar quebrado. Aí piorou, e fiquei mais três meses parado.
FUTURO
Pretendo ficar no mínimo mais duas olimpíadas competindo em alto nível. Quando não estiver mais em condições de competir em alto nível, saio da ginástica. Faço ginástica porque gosto de ganhar. Tenho ambição de ganhar títulos. A sensação da competição é uma coisa única, não tem explicação, não tem tamanho. Como a gente pode ter a prática do esporte por prazer, pode ter também para a competição. Isso é prazeroso também.
Antonio Kampfer |
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