Na Baía de Todos-os-Santos, que banha Salvador e
outros treze municípios, a prática de usar dinamite para
capturar peixes e crustáceos é uma banalidade
Leonardo Coutinho, de Salinas da Margarida
Fernando Vivas |
Só ficaram as cascas O impacto das explosões, como a vista dentro do círculo branco da foto abaixo, liquidou a criação de ostras de Josail de Almeida |
Nilton Souza |
Existe no Brasil uma "técnica de pesca" bastante peculiar – a que lança mão de explosivos. É isso mesmo que você leu: o energúmeno joga na água dinamite em quantidade suficiente para aniquilar qualquer forma de vida marinha em um raio de até 250 metros, e chama essa depredação de pesca. Os peixes, crustáceos e moluscos mais próximos de onde a bomba foi lançada são estilhaçados e, por isso, desprezados. São recolhidos apenas os espécimes mortos pela onda de energia produzida pela explosão. Apesar de eles terem as espinhas trituradas e as vísceras dilaceradas pelo impacto, o aspecto pastoso não impede sua comercialização. Como se não bastasse a selvageria da matança, no local onde os explosivos são arremessados, os recifes de corais dão lugar a crateras. Os primeiros registros do uso de bombas na pesca remontam a meados do século XIX. Cem anos depois, a prática continuava em voga no litoral do Rio de Janeiro (o atacante Garrincha, por exemplo, era um adepto desse tipo de "pescaria"). Ela só foi considerada crime em 1967. Quem a emprega pode ser punido com até cinco anos de cadeia. A edição da lei não impediu que explosivos continuassem a ser usados na costa brasileira.
O absurdo, porém, atinge proporções épicas na Baía de Todos-os-Santos, que banha Salvador e outros treze municípios. A coisa tornou-se corriqueira a ponto de dar nome a uma profissão: a de bombista. Os moradores de três dessas cidades baianas relatam que ouvem, pelo menos, vinte explosões por dia. Na verdade, cada bombista chega a lançar na água até dez petardos diariamente. A devastação causada pelas detonações é tão grande que, antes abundantes, as lagostas praticamente desapareceram da Baía de Todos-os-Santos. Em duas décadas, os cardumes de tainhas foram reduzidos à metade. "A pesca com explosivos causou danos irreparáveis à baía, porque destruiu as áreas de reprodução da fauna marinha", diz o biólogo Everaldo Queiroz, da Universidade Federal da Bahia.
As bombas doem nos ouvidos, no coração e também no bolso. Na década de 80, um pescador de anzol e rede obtinha, em média, 50 quilos de peixe por dia de trabalho. Hoje, apanha apenas 10 quilos. Quanto aos bombistas, há vinte anos eles conseguiam até 100 quilos de peixe por dia. Agora, auferem metade disso. "Está cada vez mais difícil viver da pesca", diz o maricultor Josail de Almeida, um ex-bombista que tenta se reabilitar criando ostras. Ele relata que 90% de seu plantel de mariscos morreu nos últimos dois meses afetado pelas ondas de choque provocadas pelas explosões.
No Brasil, o simples porte de bombas é considerado crime. A venda de explosivos no país é controlada pelo Exército. Mas, em Salvador, o comércio de dinamite, desviada de pedreiras da cidade, ocorre à luz do dia nos bairros do Subúrbio Ferroviário. Os bombistas utilizam, ainda, uma forma artesanal de dinamite, feita com a pólvora de rojões. Os energúmenos a embrulham em pacotes de papelão usados para embalar cimento e inserem nela pavios que não se apagam na água. Como os explosivos são confeccionados e manipulados por amadores, os acidentes são frequentes. Aos 21 anos, Almerindo Miranda perdeu o emprego e resolveu recorrer a bombas para sustentar a família. Uma delas estourou em sua mão no momento em que ele a lançava. Miranda perdeu o antebraço e a audição e, agora, exibe cicatrizes no rosto e no abdômen. "Cometi esse erro há 25 anos e pago até hoje o preço pelo que fiz", diz.