A Constituição brasileira de 1988 dispõe que a ordem social tenha como
objetivo o bem-estar e a justiça social. "A saúde é direito de todos e
dever do Estado", prescreve a Carta. As políticas sociais no Brasil
são, assim, caracterizadas por direitos universais. Na prática, a
distribuição dos benefícios dessas políticas se conforma à capacidade
de pressão política de diferentes grupos de interesse.
O resultado é um sistema extremamente desigual, em que o financiamento
por estudante ao ensino universitário é muitas vezes superior ao da
educação básica; os benefícios da previdência social dos funcionários
públicos são muito maiores do que no setor privado; a segurança
pública está disponível para quem pode pagar pelos "bicos" dos
policiais, mas não nos locais onde ocorrem mais crimes; e os serviços
de saúde pública são assegurados por mandados judiciais para quem tem
bons advogados, mas não para quem sofre nas filas dos hospitais
públicos.
A conjunção de direitos aparentemente universais, com a presença de
poderosos grupos de interesse, faz do Brasil um dos países com maior
iniquidade na distribuição de copiosos gastos sociais, que, em boa
medida, seguem a lógica da má distribuição da renda do País, sendo
destinados, sobretudo, ao financiamento das demandas de grupos de
renda média e alta.
Nos últimos anos tem havido modificações importantes nesse quadro, com
a ampliação dos programas de saúde da família, a generalização do
acesso à educação básica, o melhor planejamento das ações policiais e
a extensão dos programas de renda mínima como o Bolsa-Família e a
aposentadoria rural. A condição de extrema pobreza, que ainda afeta
muitas pessoas, especialmente na zona rural, vem se reduzindo aos
poucos, sobretudo pelo crescimento, urbanização e modernização da
economia, mas também pela ampliação dos programas sociais.
A população brasileira já não tem problemas de fome em escala
significativa, o analfabetismo praticamente desapareceu entre a
população mais jovem e, relativamente, poucos morrem por diarreia ou
doenças infecciosas. Mas milhões ainda não conseguem um atendimento
médico razoável, o analfabetismo funcional é enorme, os jovens agora
morrem pela violência urbana e o envelhecimento da população prenuncia
problemas crescentes nos sistemas de previdência social, de tratamento
de saúde e de amparo aos idosos.
A par da eliminação da pobreza extrema, doravante será preciso
enfrentar as questões que afetam a grande maioria da população em
áreas urbanas, cuja renda monetária pode estar acima das linhas
convencionais de pobreza extrema, mas que vivem em situação precária e
com problemas de complexidade crescente. As políticas sociais que
esses cidadãos necessitam não podem se limitar à simples distribuição
de benefícios.
Há duas questões centrais. Uma delas é a escassez de recursos, que
afeta a educação, a saúde, a segurança pública e a previdência, cujos
custos são crescentes. A segunda é a complexidade das políticas
requeridas para melhorar a qualidade da educação e da saúde e para
reduzir a violência urbana, problemas que não se resolvem simplesmente
com a construção de mais escolas, hospitais ou quartéis, ou o aumento
dos salários dos profissionais envolvidos. É necessário ter políticas
de melhor qualidade e que sejam factíveis com recursos que não podem
crescer indefinidamente. Isso requer uma administração pública mais
eficiente, o estabelecimento de prioridades claras e o envolvimento de
organizações da sociedade civil em seu financiamento e implementação.
Ao longo de 2010, realizamos diversos seminários com um grupo
qualificado de profissionais procurando detalhar o conteúdo dessas
políticas. O livro Brasil: A Nova Agenda Social é o resultado desse
esforço para dar curso ao debate sobre os novos rumos das políticas
sociais, para que elas sejam mais equitativas, realistas e eficientes
do que têm sido até agora.
Edmar Bacha e Simon Schwartzman: RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DO INSTITUTO
DE ESTUDOS DE POLÍTICA ECONÔMICA DA CASA DAS GARÇAS (IEPE/CDG) E
PRESIDENTE DO INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E DA SOCIEDADE (IETS).
ESTÃO LANÇANDO O LIVRO "BRASIL: A NOVA AGENDA SOCIAL"