A relação do eleitor com o candidato sofrerá uma alteração fundamental
a partir destas eleições municipais, as primeiras a se realizarem sob
os efeitos de uma mudança cultural no país simbolizada pela aprovação
da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas já existem outros marcos legais que acabaram criando um caldo de
cultura favorável à moralização do serviço público.
São eles a Lei da Improbidade Administrativa, de 1992; a Lei da
Transparência, de 2009; a Lei do Acesso à Informação Pública, de 2011;
e a Lei de Responsabilização de Pessoa Jurídica, em tramitação no
Congresso.
Para monitorar a aplicação dessas leis, as redes de controle social
envolvem hoje cerca de três mil associações civis dispostas a exigir o
cumprimento de suas exigências através das ações judiciais e do
trabalho dos Ministérios Públicos federal e estaduais.
A demanda por moralidade por parte da opinião pública,
independentemente de condutas éticas individuais, é um fenômeno social
de nossos dias, dinamizado pela ação das redes sociais de
relacionamento, que terão papel influente nestas eleições.
As propostas mais frequentes da 1 Conferência Nacional sobre
Transparência e Controle Social (Consocial), por exemplo, abrangem a
inclusão de disciplina sobre ética e cidadania na grade curricular do
ensino fundamental; instalação de conselhos municipais de
transparência; a criação da Casa dos Conselhos nos municípios, que
abrigarão os conselhos municipais de políticas públicas;
aperfeiçoamento dos portais de transparência do Poder Público,
integrando-os às estruturas das ouvidorias; punições mais severas para
os crimes de corrupção.
A expectativa é que um milhão de pessoas estejam mobilizadas ao fim do
processo. Em virtude desse novo caldo de cultura da nossa política, já
existe a disposição de setores empresariais de não se limitarem a
financiar candidatos que apenas atendam a seus interesses
corporativos, por mais legítimos que sejam.
Estão dispostos a financiar organizações da sociedade civil de
interesse público (Oscips) e de controle social. Organizações como
Contas Abertas, que fiscaliza as contas governamentais na internet;
Voz do Cidadão, que trabalha para disseminar a cidadania pela
população; Amarribo, que combate a corrupção e atua na promoção da
cultura da probidade.
E muitas outras associações da sociedade civil, preocupadas com o
monitoramento das promessas de campanha, da boa aplicação do dinheiro
público e do desempenho do Judiciário.
Ontem, em um seminário do qual participei na Academia Brasileira de
Filosofia sobre sustentabilidade urbana, Oded Grajew, da Rede Nossa
São Paulo, falava sobre a alteração que a cobrança de metas está
realizando no comportamento dos políticos e, sobretudo, no dos
eleitores.
Ele considera que as eleições municipais podem criar um novo padrão de
relação dos cidadãos com a política, candidatos e os gestores públicos
municipais assumindo compromissos concretos, e os cidadãos
acompanhando os resultados desses compromissos.
O Programa Cidades Sustentáveis, uma realização da Rede Nossa São
Paulo, em parceria com a Rede Social Brasileira por Cidades Justas e
Sustentáveis e o Instituto Ethos, oferece uma agenda para a
sustentabilidade com a qual candidatos a prefeitos de diversos
municípios poderão se comprometer publicamente.
Também Mario Mantovani, da SOS Mata Atlântica, anunciou que uma
plataforma de sustentabilidade será apresentada a candidatos a
vereadores de diversos municípios para garantir a adesão política.
O publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e que tem
o site A Voz do Cidadão, onde põe em debate os direitos e os deveres
de um verdadeiro cidadão, já concebeu diversas campanhas, a mais
recente tendo sido colocar em circulação pelas cidades do país o
Cidadômetro, concebido como uma complementação do Impostômetro, que
mede, em São Paulo, o quanto de impostos o cidadão paga.
Assim como o relógio que mede os impostos, localizado na Avenida
Paulista, procura chamar a atenção do consumidor para o tamanho de
nossa carga tributária, Maranhão foi à rua tomar o pulso da cidadania,
tanto no sentido de iniciativa quanto de mensuração propriamente dita.
Ele agora está lançando o "mandato-cidadão", para parlamentares
comprometidos com a transparência e a prestação de contas.
Maranhão está convencido de que já existe uma massa crítica hoje no
Brasil de cidadãos dispostos a sair de uma cidadania de primeiro grau,
que se define pela solidariedade, preocupação com o meio ambiente e o
espaço público, os equipamentos urbanos, para exercer o que ele chama
de "cidadania atuante", que é o uso das instituições de controle do
Estado, independentemente de partidos. "Cidadãos que não aceitam mais
o Estado ser aparelhado por conveniências políticas", define.
"Ninguém vai acabar com a corrupção", admite Maranhão, que, no
entanto, entende que existe um grupo de parlamentares, nos diversos
níveis federativos, que pode dar o norte para as instituições, levando
consigo a maioria.
Não importa se esse parlamentar é do governo ou de oposição, diz
Maranhão, "o que ele precisa ser é um representante da sociedade".
Esses deputados federais, estaduais e vereadores que se comprometerem
com a ética e a transparência públicas receberão a chancela do
"mandato-cidadão".
Para Maranhão, tanto o "cidadão eleitor" quanto o "cidadão eleito"
precisam acreditar que, se não houver instituições fortes, não há
democracia. "Ficamos então à mercê de golpistas e de demagogos".
Ele se indigna com a confusão de moral pública com moralismo, com
udenismo. "Isso é cínico. Nós temos a responsabilidade política de
fazer a futura geração acreditar no Congresso".