A temática das privatizações assume-se como elemento diferenciador na fratura política em Portugal. Ou seja, lado a lado com outros temas provenientes do período da transição para a democracia, é um dos aspetos centrais para distinguir ideologicamente a esquerda da direita na realidade nacional. Apesar de terem sido desencadeadas tanto por governos PS como PSD, a opinião genérica de um eleitor sobre os processos de privatizações das últimas décadas é um indicador central para traçar o seu perfil ideológico.
E os processos de privatizações são já tão antigos que se torna particularmente interessante verificar como flutua o discurso que procura legitimá-los. Ora temos de privatizar porque o Estado não deve estar presente em determinados setores económicos (caso dos estaleiros de Viana); ora temos de privatizar porque a empresa está a dar prejuízos (caso da RTP e da TAP); ora temos de privatizar porque, apesar da empresa dar lucro, ser indiscutivelmente estratégica e o negócio anunciar-se ruínoso, precisamos de dinheiro para pagar a dívida (caso da REN, ANA e CTT).
O atual processo de privatizações tem tido ao menos o condão de mostrar com uma clareza impressionante que tudo se pode transformar num bom motivo para privatizar. Mas tem igualmente demonstrado como um país consegue ser vendido a preço de saldo, e atrair o interesse dos mais duvidosos investidores internacionais. Desde empresas públicas chinesas interessadas no negócio da eletricidade, a grupos angolanos com sede em offshores e ardentemente interessados no setor dos media, passando por magnatas brasileiro-colombiano-polacos que querem consolidar a sua posição nos céus.
Tal como começa a ser recordado por muitos, os donos de Portugal estão a mudar. Depois de um amplo processo de privatizações que beneficiou sobretudo as elites que tinham sido espoliadas no 25 de Abril, entrámos numa fase em que os novos donos de Portugal têm origens diversas e, sobretudo, duvidosas. Podemos naturalmente tudo isto com normalidade, ou podemos começar indignar-nos abertamente a este respeito e colocar um travão a esta venda do pais ao desbarato. A suspensão do processo de privatização da TAP é um exemplo claro de que a indignação ainda consegue ser uma arma poderosa no momento presente.
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