ARTIGO - Marco Maciel |
O Estado de S. Paulo |
30/9/2008 |
A atual crise mundial dos mercados financeiros e de capitais, cujos enfrentamentos estão sendo adotados pelo governo dos Estados Unidos, confirma o quanto estava certo o presidente Fernando Henrique Cardoso ao criar o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), implementado no Brasil de 1995 a 2000. O contexto econômico que o Brasil vivia naquele momento explica os fatores que levaram à crise das instituições financeiras e a necessidade de um plano daquela natureza. O Plano Real, que havia sido implantado em 1994, abalou um bom número de bancos que tinham na inflação elevada a base estrutural do seu padrão de rentabilidade. As ferramentas de que o Banco Central dispunha tradicionalmente não seriam suficientes nem adequadas para lidar com a quebra generalizada que se antevia. Havia o risco real de comprometimento de todo o sistema de pagamentos de nossa economia. Fazia-se necessária uma iniciativa radical de reestruturação de todo o sistema financeiro e essa iniciativa foi o Proer. A última operação de financiamento do Proer foi concluída em meados de 1997. A implementação do programa custou, no total, R$ 20,4 bilhões, valores da época, cerca de 2,7% do produto interno bruto (PIB) médio do triênio 1995-1997. Os valores atualizados são, evidentemente, maiores, mas a indicação do porcentual do PIB dá uma boa noção de que o programa teve custos relativamente baixos. Ademais, o Banco Central vem resgatando consistentemente parte dos valores que investiu no Proer. Vários dos chamados “títulos podres” em poder dos bancos adquirentes, que foram desviados para o Proer, revelaram-se, com o passar do tempo, ativos de qualidade. Não se tratou, portanto, de “doação” a instituições quebradas. Foi, antes, um empréstimo, que vem sendo resgatado com regularidade, conforme demonstram os balanços patrimoniais do Banco Central. As diferenças entre o Proer e o plano que se cogita de executar para o sistema financeiro norte-americano não ficam apenas na questão dos custos. Esse é um dos quesitos, mas não o único. O Proer foi uma resposta rápida, bem estruturada, barata, eficiente e bem-sucedida a uma situação que resultou de um contexto econômico bastante pontual, qual seja a estabilização econômica e o fim da hiperinflação proporcionados pelo Plano Real. Instituições bancárias que não gozavam da imprescindível higidez soçobraram e os bens dos depositantes foram preservados em sua integridade. Os valores investidos pelo programa estão sendo paulatinamente reincorporados pelo Banco Central. Os efeitos benéficos da atuação enérgica - e eu diria também cirúrgica - do Banco Central, naquele momento, verificam-se até hoje com a estabilidade econômica e a solidez de nosso sistema bancário. O economista Mailson da Nóbrega, com sua experiência de ministro da Fazenda e no mercado de capitais, resumiu muito bem a questão ao dizer: “O que salvou o Real foi o Proer. Se o governo não tivesse tomado essa iniciativa, corria o risco de enfrentar uma crise gigantesca do sistema financeiro.” Importa destacar não haver sido usado dinheiro do Orçamento federal, prova da seriedade com que se administrou a crise, sem transigir naquilo que era essencial à estabilidade fiscal do País. Os recursos vieram da própria reserva bancária, formada pelos depósitos compulsórios que os próprios bancos são obrigados a retirar de todos os depósitos efetuados à vista e entregues, como garantia, ao Banco Central. Isso fez parte do amplo programa, incluindo a federalização para posterior privatização de bancos estaduais. Tivemos, portanto, um período que ensejou a venda de bancos estaduais, muitos dos quais debilitados e enfraquecidos por políticas equivocadas. Devo salientar que se fez o refinanciamento das dívidas dos Estados e a emissão de títulos da dívida pública com cláusula de reajuste cambial. Assim se estabeleceram, no octoênio do presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve o economista Pedro Malan como ministro da Fazenda, as bases do desenvolvimento. Nunca é demais insistir que o País continuou a crescer após o término da administração Fernando Henrique Cardoso. Isso se deveu, basicamente, aos bons fundamentos da economia. Como definiu o historiador Carlo Levi, “o futuro tem um coração antigo”. Assim - volto a fazer um exercício de lembrar o passado -, já naquele tempo, o Banco Central passou a reformular com eficiência a fiscalização do sistema bancário para melhor acompanhamento da situação patrimonial dos bancos. Foi o Proer que devolveu, mais bem concretizadas, as atribuições legais do Conselho Monetário Nacional: estabelecer as diretrizes gerais das políticas monetária, cambial e creditícia; regular as condições de constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financeiras; e disciplinamento dos instrumentos de política monetária e cambial. A crise de 1995 era a primeira após essas providências. O Brasil enfrentou-a e a venceu. O resultado hoje se apresenta muito positivamente, demonstrando o acerto de havermos criado e implantado o Proer. Agora, em face da atual crise, espero que não ocorram maiores impactos que venham a reduzir acentuadamente a continuidade de nosso desenvolvimento. Acredito que isso muito dependerá da capacidade de reagirmos adequadamente a desdobramentos que, indesejadamente, venham a ocorrer nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e em nosso país. |