Que rei sou eu? - MÍRIAM LEITÃO
Política

Que rei sou eu? - MÍRIAM LEITÃO



O GLOBO  - 22/01/12



Um dos grandes empresários alemães, Wolfgang Reitzle, presidente da Linde, fornecedora de gases especiais e de equipamentos, disse numa entrevista à Der Spiegel que a saída da Alemanha do euro não deve ser um tema tabu. Numa resposta que surpreendeu até o repórter, disse que a Alemanha exportaria menos, o desemprego aumentaria um pouco, mas em cinco anos o país estaria mais forte.

“O que eu não concordo é que uma grande parte dos meus impostos terminem indo para países que não controlam suas economias responsavelmente.” O jornalista quis saber se ele tinha um plano B para a empresa dele, caso houvesse um desastre na Zona do Euro, e ele respondeu que a estagnação europeia afetaria apenas 30% do faturamento. “Seremos uma empresa que, em vez de 13 bilhões de euros, fatura 9 bilhões de euros e que opera principalmente na Ásia.”

Ele resumiu dois pontos que podem conquistar as mentes alemãs. A ideia de que eles pagam a conta de países que não têm controle fiscal e a de que basta apostar no modelo que tem dado certo, que é ser grande processador de produtos que importa da Ásia e exporta para outros países com mais valor agregado.

A Alemanha cresceu no ano passado 3% e reduziu o desemprego, enquanto outros países da Europa ficaram estagnados e viram o desemprego aumentar. Exportou US$ 1 trilhão, numa região que perde competitividade. Já fez reformas, como a elevação da idade de aposentar para 67 anos, enquanto a França enfrentou batalha de rua de estudantes contra a elevação para 62 anos. Entre as três grandes economias da Zona do Euro, é a única que continua tendo a sua dívida avaliada como triplo A. É considerada em vários outros países em crise como sendo a economia que mais se beneficiou da formação da moeda comum. E mesmo lá há insatisfação e problemas.

O segundo maior banco do país, o Commerzbank, tenta captar no mercado para cumprir a exigência de capitalização de 5,3 bilhões de euros feita pela Autoridade Bancária Europeia. Isso num tempo em que o mercado interbancário está travado pelo temor de uns bancos em relação a outros. E com razão, porque os bancos alemães estão muito expostos às dívidas dos países da região. Segundo levantamento da Reuters, seus bancos carregam US$ 177 bilhões de dívida da Espanha; US$ 161 bilhões da Itália; US$ 110 bilhões da Irlanda; US$ 36 bilhões de Portugal; e US$ 21 bilhões da Grécia. Uma encrenca de US$ 500 bilhões.

A verdade é que a situação não está fácil nem para a Alemanha. As projeções para este ano são de que o país vai crescer apenas 0,7%. Sua dívida também é alta, e tem déficit público, ainda que menor do que o da maioria dos países da região.

O coordenador do Comitê de Relações Institucionais da Câmara Brasil-Alemanha, Ingo Ploger, está na Alemanha, e de lá contou que o clima entre empresários ainda é de otimismo, mas que a confiança começou a ser afetada com a postergação de investimentos. “Estive ontem em uma feira de Frankfurt que reuniu 1.500 empresários. Ao mesmo tempo que havia um clima de comemoração pelos bons resultados de 2011, muitos empresários disseram que estão adiando investimentos porque as incertezas aumentaram muito. Mas o clima geral é bom.”

O que surpreende no caso da Alemanha é a rapidez com que o país conseguiu retomar o crescimento após a crise de 2008, enquanto a Europa continuou mal. O PIB alemão encolheu 5% em 2009, mas as exportações garantiram um crescimento de 3,5% em 2010 e de 3% no ano passado. O desemprego em 2011 foi de 6,8%, o menor desde a reunificação da Alemanha em 1990. Os alemães começaram a reformar o Estado para reduzir custos desde a gestão do chanceler social-democrata Gerhard Schroeder. O que os italianos, gregos, espanhóis estão tentando fazer no meio da crise foi feito de forma preventiva.

“A Alemanha colhe hoje os frutos de reformas aprovadas há cerca de cinco anos. Houve reformas na Previdência, na saúde e nos serviços sociais, e isso reduziu gastos do governo. Houve negociação entre empresários e sindicatos para evitar aumentos salariais muito acima da inflação”, explicou Ploger.

A economia alemã é altamente dependente da China. Em 2010, a corrente de comércio entre os dois países chegou a US$ 142 bilhões, o que foi 30% de todo o comércio da União Europeia com os chineses. No ano passado, até setembro, já havia chegado a US$ 127 bilhões. Um cenário de redução do crescimento chinês é assustador para a Alemanha.

O país tem orgulho da sua capacidade de superação do passado. Superou a herança do nazismo da primeira metade do século 20 e a do comunismo da parte oriental das décadas seguintes. Reconstruiu a unidade do país após mais de 40 anos de separação com modelos econômicos totalmente diversos. Fez a aposta forte na unidade comercial, monetária e econômica com os países vizinhos, mas ainda sofre uma crise de identidade. Em artigo divulgado pelo Project Syndicate, o professor de Princeton Jan-Werner Mueller definiu o país como “pequeno demais para ser um ator global e grande demais para ser apenas o primeiro entre iguais.” A crise ressalta o centro desse dilema alemão.



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