A política brasileira está na UTI, mas duas propostas
de mudança – o voto em lista fechada e o financiamento
público de campanha – podem começar a oxigenar suas artérias
Fábio Portela
Orlando Brito |
O HOMEM DA MALA Para Delúbio Soares, fazer política era operar caixa dois. O problema é que há centenas de delúbios no Brasil |
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Não foi fácil, dada a incrível concorrência, mas Delúbio Soares chegou lá. O homem da mala do PT cristalizou-se como o ícone do que há de pior na política brasileira: a relação incestuosa com empresas, a formação de caixa dois, a compra de aliados e o fisiologismo partidário. Seria bom que Delúbio fosse um só, mas não é. Há muitos como ele espalhados pelo país. Seus clones são gerados pelo nosso sistema eleitoral, em que política e interesses econômicos escusos são indissociáveis: empresas doam fortunas aos políticos e depois cobram que eles as favoreçam em licitações, num moto-contínuo de corrupção. Por isso, o Congresso Nacional vive uma crise de legitimidade inédita. Os partidos derreteram, e não conseguem se diferenciar uns dos outros. O quadro, em resumo, é calamitoso. Para alterá-lo, não adianta esperar pelo dia em que todos tomarão consciên-cia e passarão a agir honestamente. É preciso mudar as regras do jogo, com uma reforma política que tente selecionar gente melhor para representar os eleitores na Câmara e no Senado. Duas propostas que ganharam força recentemente, o voto em lista fechada e o financiamento público de campanhas, podem começar a oxigenar o sistema. Não são uma panaceia, mas vale a pena entender o que elas significam e quais seriam os reflexos de sua adoção.
O voto em lista fechada seria usado nas eleições de vereador, deputado estadual e federal. Cada partido apresentaria uma relação de candidatos, colocados em uma ordem predefinida nas convenções. Em vez de escolherem nominalmente, os eleitores votariam apenas na legenda. Quanto mais votos um partido tiver, mais representantes elegerá. Os políticos que ocupam os primeiros lugares da lista assumem as vagas. Os críticos afirmam que esse método faz aumentar o poder das cúpulas partidárias, que influenciariam a escolha dos primeiros nomes das listas. É uma meia verdade, pois essa influência já existe. A diferença é que a lista fortalecerá os partidos. Atualmente, o eleitor vota em personagens. Com ela, poderá votar em projetos. Na TV, acabará o desfile de centenas de candidatos a deputado tagarelando bobagens durante cinco segundos cada um, o que só confunde o eleitor. Os partidos terão de expor seus planos, e eles deverão ser mais claros se as agremiações quiserem marcar diferença. O quadro tende a ficar mais nítido para o eleitor, e a cobrança posterior, mais simples. As legendas também terão de filtrar seus filiados. Delúbio Soares, por exemplo, se saísse candidato a deputado nas regras atuais teria chance de se eleger. No sistema de listas, é difícil imaginar que algum partido o abrigasse, pois seu potencial de espantar eleitores é infinitamente maior que o de puxar votos.
O financiamento público de campanha, que assusta à primeira vista, também tem vantagens. Em teoria, se um político não depende do dinheiro de empresas para se eleger, isso significa que sua independência é maior. A ideia é reservar 7 reais por eleitor para pagar as campanhas, mais 2 reais para as disputas de segundo turno. Como o Brasil tem 130 milhões de eleitores, o gasto máximo seria de 1,2 bilhão de reais. É menos do que se desembolsa hoje. Na eleição de 2008, os candidatos gastaram 1,9 bilhão de reais, só no caixa um. Se somarmos o caixa dois, o valor duplica, no mínimo. Esse dinheiro foi doado, em esmagadora porcentagem, por empresas que têm contratos públicos e incluem nos preços das licitações a quantia que terão de doar na eleição seguinte. Ou seja, o dinheiro já sai do bolso do contribuinte. A boa novidade é que, com o financiamento público, será fixada uma pena clara para quem burlar a regra: perda de mandato. Dessa forma, a proposta faz sentido. No entanto, ela só pode ser aplicada se for aprovado o voto em lista fechada, pois o Tesouro Nacional não pode dar dinheiro a candidatos individualmente, apenas a partidos. A fiscalização também seria facilitada. Em 2008, a Justiça Eleitoral analisou contas de 380.000 candidatos. Com a nova regra, seria preciso fiscalizar apenas os 27 partidos existentes.
Não há unanimidade sobre os dois temas, mas os partidos começam a se posicionar. PT, DEM, PPS e PCdoB são favoráveis. PSDB, PMDB e PDT ainda estão em cima do muro. Frontalmente contra, apenas PP, PR e PTB. É evidente que as propostas não são perfeitas nem oferecem garantias de que vão moralizar o sistema, mas representam um movimento para a alteração do atual estado das coisas, em que a política brasileira repousa no fundo da lata do lixo. Quem se recusa a discutir apenas perpetua o modelo atual. E, se não houver mudanças no sistema, o futuro continuará repleto de delúbios.