Sabor de derrota Merval Pereira
Política

Sabor de derrota Merval Pereira


NOVA YORK. Barack Obama é um político do tipo do lutador de boxe, que dá gosto de ver pela elegância dos movimentos e golpes curtos e certeiros que aplica.

Mas chega um momento em que é preciso decidir a luta, e aí falta a ele aquela garra que marca os demolidores.

Ele pode ter vencido o primeiro debate da disputa presidencial dos Estados Unidos por pontos — mais possivelmente houve um empate — mas fiquei com a sensação de que qualquer resultado terá um sabor de derrota para Obama. Possivelmente não haverá até as eleições momento mais favorável para ele em um debate político, e McCain temia isso quando tentou adiar o encontro. Depois de uma semana em que a política econômica do governo Bush, que já vinha há um ano dando sinais de falência múltipla, entrou em colapso explícito, não havia momento mais propício para um candidato democrata mostrar à nação o que fará a diferença, a partir de janeiro, na Casa Branca.

Os dois candidatos não se mostraram, até o momento, à altura da crise que o mundo vive. McCain fingiu um gesto de grandeza ao anunciar a suspensão da campanha presidencial para ir a Washington tratar do pacote econômico, mas viu-se logo que não passava de uma politicagem barata para tentar tirar algum proveito da crise econômica que o colocou, como candidato do partido que está no poder, em situação de fragilidade.

Barack Obama, por seu turno, mostrou-se sempre muito tímido diante da crise, e não foi outra sua postura no debate em Mississippi. Fora uma ou duas vezes em que ligou diretamente a política de Bush a McCain, não se aprofundou nas críticas, não apresentou soluções.

Os dois, aliás, pareciam autistas, falando de um orçamento que ninguém sabe como ficará porque ninguém sabe ainda o real tamanho dessa crise nem se o pacote econômico resolverá o problema. Se é que algum pacote será aprovado neste fim de semana.

Os dois candidatos claramente não querem assustar o eleitor, e preferem lidar com a questão econômica, que não é o forte de nenhum dos dois, de maneira mais genérica.

Obama tem a vantagem de visar sempre a classe média americana, apesar de manter a promessa de cortar impostos de 95% das famílias, promessa que parece cada vez mais inviável a essa altura da crise.

McCain mantém tese de que liberando empresas e grandes investidores de impostos, eles produzirão mais riqueza para o país, o que beneficiará os mais pobres indiretamente.

Uma filosofia econômica que Obama ligou à defesa da desregulamentação do mercado financeiro, que causou a quebradeira de Wall Street.

O cineasta e escritor Michael Moore escreveu recentemente um guia eleitoral onde, entre vários palpites, sugere sarcasticamente que o candidato democrata, Barack Obama, pare de ressaltar o heroísmo de seu adversário republicano John McCain “porque nos Estados Unidos os heróis sempre vencem no final”.

Depois do debate de sextafeira ele deve ter uma outra sugestão para Obama: pare de frisar que “John está certo” a cada resposta. Na enésima vez em que Obama repetiu a frase, como um cacoete, fiquei pensando aonde o levaria toda essa elegância de admitir que o adversário está certo, mesmo quando o contesta. Se fosse um recurso de ironia, o que realmente aconteceu umas poucas vezes, poderia ser usado para desmontar o adversário. Mas Obama é por demais elegante nas suas ironias.

Se, na parte econômica do debate, McCain conseguiu sobreviver a um previsível massacre, como se não tivesse laços com o governo republicano, criticando mais duramente a gestão Bush e se colocando como um “maverick” (rebelde) diante da Casa Branca, na parte de política internacional foi a vez de Obama se sair melhor do que seus adversários previam.

Ele se revelou muito à vontade nas questões internacionais, mostrando que tem todo o conhecimento necessário para exercer o cargo que disputa.

Apesar de McCain ter tentado o tempo todo fazê-lo passar por “ingênuo” ou inexperiente, repetindo várias vezes que “o senador Obama parece não entender”, ou variações do mesmo tipo.

Até mesmo nas expressões faciais, em algumas vezes fazendo-se de nauseado, viu-se um McCain irritadiço com as posturas de Obama no campo internacional, como se não tivesse paciência para ouvir tanta bobagem.

Mesmo nessas ocasiões Obama não perdeu a pose de estadista que procurou exibir durante toda a noite e corrigiu comentários de McCain, sem se intimidar em nenhum instante.

Havia quem temesse, da parte republicana, a comparação na televisão entre a imagem esguia e altiva de Obama e a estatura baixa e o corpo retesado, muito por causa das torturas que sofreu no Vietnam, de McCain.

O senador republicano é um outro tipo de lutador, fecha a guarda e luta olhando para o chão, desferindo golpes curtos e certeiros mas sem o refinamento da oratória.

Até mesmo sua cortante ironia ficou sem uso na noite do debate, com uma ou outra exceção.

Mas o que houve mesmo foi o contraste de gerações. O candidato republicano, mais de uma vez, ressaltou sua experiência em acompanhar os temas internacionais, mas ficou claro que McCain, como salientou Obama em um de seus melhores momentos, ainda tem a mentalidade de um político do século XX, quando os Estados Unidos tornaramse a única potência mundial, em contraste com o mundo multipolar atual, que exige uma postura mais aberta ao diálogo entre as nações.

Não é à toa que o democrata Barack Obama é o candidato preferido no mundo todo.

Ele quer que os Estados Unidos voltem a ser admirados e amados pelos outros países, e não temidos e até mesmo odiados. Quer, enfim, fazer que “fazer a América” volte a ser o sonho dos que, como o seu pai no Quênia, viam o país como o melhor lugar para se estudar e vencer na vida.

A questão é saber se o eleitorado médio americano comunga desses ideais.



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