MERVAL PEREIRA O medo da recessão
Política

MERVAL PEREIRA O medo da recessão


NOVA YORK. O fato de que nenhuma das perguntas dos eleitores reunidos anteontem no debate entre os candidatos a presidente dos Estados Unidos se referiu aos “escândalos” que envolvem os dois, mas sim às questões econômicas, deveria servir de lição nesses últimos dias de campanha. Ninguém do público, escolhido pelo instituto de pesquisas Gallup entre os eleitores indecisos, estava interessado em saber sobre as relações de Barack Obama com o ex-terrorista Bill Ayers, ou com o pastor radical Jeremiah Wright; nem sobre o escândalo em que cinco senadores, entre eles McCain, foram acusados, anos atrás, de tentar proteger o banqueiro Charles Keating, que estava sendo investigado por irregularidades no Lincoln Savings & Loan Association, que quebrou em 1989, levando o amigo de McCain para a cadeia.

Esses temas têm dominado as campanhas dos dois candidatos, nas propagandas de televisão e nas mensagens pela internet, mas não interessam de fato aos eleitores, que estão mesmo preocupados com as conseqüências da crise econômica no seu dia-a-dia.

A atuação dos dois com relação ao tema tem provocado frustração nos eleitores, que não sentem firmeza nos seus discursos, que não encontram respostas nos programas de governo de nenhum dos dois. No debate de terça-feira na Universidade de Belmont, no Tennessee, os dois candidatos se aproximaram um pouco da verdade, mas ficaram a uma distância prudente para seus projetos políticos.

O republicano McCain porque tem uma missão quase impossível de se dissociar do governo republicano que está na Casa Branca há oito anos e, como Obama salienta a cada momento, recebeu um governo com superávit fiscal e hoje apresenta um déficit de cerca de US$ 400 bilhões este ano, e um déficit externo que era de US$ 5 trilhões e dobrou nestes oito anos.

Esse quadro econômico nada favorável, que já era objeto de crítica de Obama durante a campanha, acabou mostrando sua verdadeira face com a crise financeira que estourou há 15 dias, explicitando a gravidade da situação.

Isso tudo torna a posição de McCain cada vez mais difícil, e é previsível que não queira que o tema econômico domine os debates. Em Nashville, como não controlava as perguntas, não pôde evitar que o verdadeiro interesse do cidadão-eleitor se evidenciasse nas perguntas.

Já Obama, à frente das pesquisas, ampliando sua vantagem em estados-chave e tornando-se a alternativa natural do eleitor que quer mudar a política econômica, claramente não quer arriscar essa posição confortável.

Os dois estão mais focados em ganhar a eleição do que em se mostrar em condições de enfrentar a crise econômica, o que está incomodando os eleitores.

A crise não apenas dominou a maior parte do debate; até mesmo quando a discussão passou para as questões internacionais, a primeira pergunta da platéia foi sobre se a crise econômica vai reduzir a capacidade dos Estados Unidos de intervir para manter a paz mundial quando necessário.

As perguntas dos eleitores indecisos mostraram também o quanto o cidadão comum está descontente com os políticos de maneira geral.

Uma senhora perguntou por que confiar em um dos dois quando os dois partidos colocaram o país nessa situação; um jovem duvidou se o pacote econômico aprovado pelo Congresso, com o apoio dos dois candidatos, realmente resolveria o problema; uma outra, com a experiência de ter passado pela crise de 1929, foi direto ao ponto: qual o sacrifício que cada um deles exigiria de cada americano para superar a crise econômica? Nem mesmo com essa “permissão” da eleitora os dois ousaram. O republicano McCain respondeu genericamente, dizendo que cortaria vários programas ineficientes, mas não citou nenhum.

Voltou a defender que o orçamento federal deveria ser expurgado de adendos que não sejam essenciais, e ressaltou que só não pediria cortes em verbas para a segurança nacional e educação.

Já Obama conseguiu ser mais criativo, falando na necessidade de o país sair da dependência do petróleo estrangeiro.

Os dois candidatos tratam do tema como sendo uma questão de segurança nacional, pois, os dois ressaltam, os Estados Unidos dependem do fornecimento de energia de países que, como diz McCain constantemente, “não gostam muito de nós”.

O próprio Obama chegou a citar a Venezuela e países árabes, e até o Irã, como países de cuja produção os Estados Unidos dependem na questão de energia. E McCain citou a importância estratégica da Geórgia na distribuição de gás para a Europa como um dos motivos para que os Estados Unidos a defendam da Rússia.

Mas, além da política de combustíveis alternativos, Obama tocou num ponto crucial: a capacidade de cada americano de cortar seu próprio consumo, de economizar combustível no seu dia-a-dia, mudando os hábitos.

Essa é uma luta que é muito impopular, e talvez por isso o candidato democrata não tenha querido se aprofundar no assunto, mas será um dos principais papéis do futuro governo: fazer com que o desperdício de combustível seja evitado, mudando os hábitos da população, muito arraigada ao transporte individual.

Dois detalhes paralelos ao debate, mas que têm importância fundamental na percepção dos eleitores: 1. A certa altura, McCain referiu-se a Obama como “that one” (“aquele ali”), o que está sendo considerado falta de respeito pelo adversário.

Já há camisetas com a frase, que vai ser explorada pela campanha democrata.

2. O formato do debate não ajudou McCain, que mostrou o peso da idade ao se movimentar pelo cenário, e não olhava para os eleitores em vários momentos.



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