A diplomacia econômica brasileira deveria eleger novas prioridades e mudar de rumo, segundo o governador de São Paulo, José Serra. Ele defende maior empenho na busca de acordos bilaterais e maior independência em relação ao Mercosul. Não vale a pena, sustenta o governador, insistir em manter o bloco regional como união aduaneira. A união funciona mal e, por suas normas, impede o Brasil de negociar por sua conta acordos de livre-comércio com os parceiros de sua escolha. Melhor seria, portanto, rebaixar o Mercosul ao status de área de livre-comércio, com preferências comerciais entre os sócios e liberdade para cada um assinar os pactos de seu interesse. Ele já havia proposto essa mudança bem antes do recente impasse da Rodada Doha de negociações comerciais. Na quarta-feira, aproveitou um seminário especial do Fórum Nacional, no Rio de Janeiro, para reafirmar suas críticas à atual orientação diplomática. O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, contestou as críticas. Acordos multilaterais, afirmou, são os mais adequados aos grandes objetivos comerciais do País. Quanto ao Mercosul, é um fator de fortalecimento internacional do Brasil, disse o chanceler. Ambos estão parcialmente certos. Serra mostrou maior realismo quanto à política regional.
Está certo o governador paulista em suas críticas ao Mercosul. O bloco é um fracasso como união aduaneira. Há uma porção de exceções à Tarifa Externa Comum (TEC). Além disso, a tarifa é usada de forma aberrante: incide quando um produto é recebido em qualquer porto do bloco e é de novo cobrada quando esse bem é transferido a outro membro da associação. Um dos objetivos do governo brasileiro, no exercício da presidência rotativa do Mercosul, neste semestre, é eliminar essa cobrança múltipla. Não há garantia de êxito.
Mas isso é apenas parte dos problemas. O bloco não funciona direito nem como zona de livre-comércio. O intercâmbio do setor automotivo é ainda sujeito a restrições, definidas por acordo, e a liberalização setorial só deverá ocorrer dentro de vários anos - se ocorrer. Além disso, há várias barreiras comerciais entre os sócios, aplicadas, na maior parte dos casos, pelo governo argentino contra produtos brasileiros. A Venezuela, ainda sem participação plena no Mercosul, também mantém barreiras importantes e as tem aumentado. No primeiro semestre deste ano, as exportações brasileiras de carros para o mercado venezuelano foram 83% menores que as de um ano antes por causa de cotas em vigor desde janeiro.
Se o ingresso da Venezuela for completado, as possibilidades de acordos internacionais do Mercosul ficarão ainda mais limitadas, porque o presidente Hugo Chávez declarou, mais de uma vez, a disposição de vetar qualquer pacto de livre-comércio com os Estados Unidos.
Sem Chávez, no entanto, os governos do Mercosul já não se entendem quando se trata de negociações bilaterais (com a União Européia, por exemplo) ou multilaterais (Brasil e Argentina divergiram na tentativa recente, em agosto, de conclusão da Rodada Doha). Quando se trata de negociações com parceiros importantes, o Mercosul é um entrave ao Brasil e não um fator de fortalecimento.
O chanceler está certo, no entanto, ao sustentar a importância primordial dos acordos multilaterais para os objetivos comerciais do Brasil. Ele e o governador Serra estão igualmente errados, no entanto, ao falar de negociações multilaterais e bilaterais como se fosse preciso escolher um ou outro tipo de negociação. O Brasil poderia muito bem - como demonstraram outros países em desenvolvimento - ter cuidado simultaneamente da Rodada Doha e de conversações bilaterais. De fato, a diplomacia brasileira até procurou fazê-lo, em alguns momentos, mas foi incapaz de liderar os sócios do Mercosul e, além disso, cometeu o erro de torpedear o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), por mera prevenção ideológica. Quando os negociadores de Washington decidiram criar dificuldades graves, os brasileiros e argentinos já haviam afundado o projeto.
Seja qual for o resultado da próxima tentativa de salvar a Rodada Doha, o governo brasileiro deveria esforçar-se para contemplar com um pouco mais de realismo sua diplomacia. Se o Mercosul continuar travado, para que manter uma fictícia união aduaneira?
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