A recusa final do Brasil a extraditar Cesare Battisti foi, em linguagem de bilhar, uma bola cantada. Este governo brasileiro, povoado por remanescentes da guerrilha urbana, não iria mesmo incorporar ao currículo a pecha de ter entregue à Justiça de outro país um sujeito autodeclarado de esquerda, e por crimes cometidos num contexto político de luta armada.
É só isso. Escrevo "num contexto político" para não resvalar na penosa e inútil discussão sobre a classificação dos crimes imputados a Battisti. Que se debata o tema até o final dos tempos. Ou até cansar. Ou até perder a importância. Se é que já não perdeu.
Teses pinçadas apenas para adornar propósitos. O governo brasileiro não queria entregar Battisti à Itália e construiu uma argumentação que desse tinturas jurídicas ao ato de vontade. Ficou meio tosco, mas no final prevaleceu a força do poder e a premissa — razoável — de que quem faz política externa é o chefe do Executivo.
É também razoável a observação, dos acusadores de Battisti, de que as atividades do italiano a partir de uma certa hora escorregaram para o puro e simples banditismo. Mas esse tampouco é um fenômeno incomum em situações guerrilheiras.
Nem é preciso ir longe. Temos ao lado o nada edificante exemplo das Farc.
Na faina para acolher Battisti, o governo brasileiro enveredou por atalhos conceituais bizarros. O mais de todos foi colocar em dúvida o estado de direito democrático italiano.
A Itália era uma democracia quando Battisti e seus "Proletários Armados para o Comunismo" aderiram à ação política violenta. Continuava sendo uma democracia quando o italiano foi ali julgado pelos crimes a ele atribuídos. E continua sendo uma democracia agora que pede a extradição.
Battisti também deu sorte de o primeiro-ministro da Itália chamar-se Silvio Berlusconi. A resistência à extradição pôde ganhar uma aura militante, contra o burlesco chanceler.
Só que aí tem um problema: quem mais lutou e luta lá para que Battisti seja extraditado não é a direita berlusconiana. É a esquerda. Ou melhor, a centro-esquerda herdeira do Partido Comunista Italiano (PCI).
Num plano intelectual, os movimentos armados de então na Itália apresentavam-se como alternativa à política dos comunistas, que tinham decidido buscar alianças com os conservadores para chegar ao poder por meio de eleições e realizar reformas progressistas no capitalismo.
Hoje a estratégia universalizou-se, e talvez o exemplo mais vistoso seja o PT. Mas na época o reformismo era um pecado capital aos olhos do revolucionarismo radical, então bem na moda.
Na prática, a luta armada italiana serviu apenas de instrumento da direita para atrasar a chegada da esquerda ao poder, algo que ali só se realizaria após o fim da União Soviética e da Guerra Fria.
Não à toa o episódio emblemático daquela guerrilha foram o sequestro e assassinato de Aldo Moro, exatamente o líder conservador mais propenso a formar um governo em aliança com a esquerda.
A História e suas ironias. O governo brasileiro que impediu Battisti de apodrecer até o fim dos dias num cárcere italiano é produto exatamente da estratégia contra a qual Battisti pegou em armas quando jovem.
Ele pôde viver para assistir a essa síntese do fracasso político dele próprio. Pena que as vítimas não puderam.
Murismo
O Brasil absteve-se na votação da Agência Internacional de Energia Atômica que denunciou a Síria ao Conselho de Segurança da ONU por atividades nucleares clandestinas.
De abstenção em abstenção, vamos construindo um sólido protagonismo no ponto mais alto.
Do muro.
Trombada
Nas aparências a relação entre o PMDB e Dilma Rousseff não vai bem. Na vida real ela vai um pouco pior.
No episódio da troca na Casa Civil o peemedebismo concluiu que a presidente anda muito disposta a escanteá-lo.
E até as agora novas paredes do Palácio do Planalto sabem que Dilma está incomodadíssima com a eventualidade de precisar administrar uma relação difícil com o PMDB ao longo de todo o governo.
O PMDB desejava ser tratado como sócio e acha que não vem sendo.
Dilma queria o PMDB como aliado incondicional e acha que ele não está sendo.