Política
Situação contra Merval Pereira
NOVA YORK. A campanha presidencial americana, curiosamente, está enveredando por um caminho que nós, brasileiros, conhecemos bem. John McCain, o candidato republicano, como o tucano José Serra em 2002, defende “continuidade sem continuísmo”, tentando se separar da imagem negativa de Bush, tanto quanto Serra tentou se afastar da imagem de Fernando Henrique, impopular naquela ocasião por outras razões. E o candidato democrata, Barack Obama, fala literalmente em “a esperança vencer o medo”, o mesmo lema que Lula utilizou na campanha vitoriosa de 2002.
A tentativa de assumir para si o mote da mudança, que é a base da candidatura de seu adversário, é mais um truque que o candidato republicano John McCain está utilizando para afastar a imagem de que sua vitória seria uma vitória da atual gestão, uma espécie de terceiro mandato seguido de George W. Bush. Assim como existe a “oposição a favor”, existe também a “situação contra”.
E também uma maneira de neutralizar a guinada para a direita que ficou evidente na escolha da vice Sarah Palin, que teve repercussão muito mais pelo que simboliza como pitbull de batom do que como uma outsider de Washington, embora essa última característica seja a que interessa a McCain destacar.
Como a escolha de Palin foi pessoal de McCain, contra a cúpula partidária, é possível que ele a tenha selecionado por ser, como ele, quase uma dissidente dos republicanos.
Mas não há dúvida de que sua credencial de evangélica reacionária, legítima representante da “América profunda”, tem mais a ver com o entusiasmo que contagiou a base do Partido Republicano, que começou a semana em St. Paul com uma convenção anódina, e terminou em apoteose.
Quando pressentia que precisava animar a platéia, ele inteligentemente arranjava uma maneira de se referir a Sarah Palin, a nova musa republicana que já supera em popularidade não só seus companheiros partidários como o próprio Barack Obama, de acordo com uma pesquisa do Rasmussen Reports, um instituto de pesquisas políticas considerado dos mais acurados, que tem um site de acompanhamento das eleições.
Segunda essa pesquisa, há uma semana, quando foi anunciada como a candidata a vice na chapa de McCain, 67% dos eleitores nunca tinham ouvido falar nela. Hoje, depois de ter sido o tema central do debate político e ter sido vista por 40 milhões de telespectadores no seu discurso na convenção de St. Paul, ela é vista favoravelmente por 58% dos eleitores americanos, sendo que, desses, 40% têm uma visão “muito favorável”.
Para se ter uma idéia do que isso significa, a escolha do senador Joe Biden para vice de Obama tem a opinião favorável de 48% dos eleitores. E tanto McCain quanto Obama têm o mesmo índice de aprovação dos eleitores: 57%.
A primeira aparição nacional de Sarah Palin foi tão boa que os marqueteiros republicanos se apressaram a compará-la com a ex-primeiraministra britânica Margaret Thatcher, um dos ícones do conservadorismo mundial.
Exageros à parte, essa tentativa de valorizar a presença de Palin na chapa republicana tem um sentido que vai além de obter os votos conservadores.
O movimento visa a retirar da escolha o teor de risco que tem embutida, pois a chance de Palin ter que assumir a Presidência dos Estados Unidos, pelo menos interinamente, é muito grande, devido à idade de McCain, e já começa a ser avaliada publicamente.
Ao mesmo tempo, o próprio McCain parece preocupado em garantir aos independentes, sem os quais não conseguirá vencer, que sua vice não está lá por ser de direita radical, mas por ser uma reformista como ele, que luta contra a corrupção e o conformismo.
Por isso, McCain marcou seu discurso não pelo rancor que aparecera nos discursos anteriores, como os do ex-candidato e quase vice Mitt Romney e o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giulliani.
A própria Palin foi mais agressiva com Obama do que McCain.
O discurso do candidato republicano, aliás, teve muito mais a ver com sua idéia inicial de escolher o ex-democrata e hoje independente Joe Lieberman para companheiro de chapa do que com a pitbull Palin. Lieberman foi candidato a vice de Al Gore em 2000, e apoiou a candidatura de McCain desde o início.
Ele abriu seu discurso na convenção de St. Paul perguntando: “O que um democrata como eu está fazendo na convenção republicana?”. E respondeu: “Eu apóio McCain porque o país importa mais que os partidos”. Joe Lieberman criticou Obama por não ter trabalhado no Senado em conjunto com os republicanos, a exemplo do que McCain sempre fez.
E foi este o tom que quis dar a seu discurso de aceitação, o de conciliação, e não de confrontação raivosa: “Estenderei a mão a qualquer um que queira ajudar este país a progredir outra vez. Eu tenho história e cicatrizes para proválo. Obama não tem”.
Ele se referia justamente às diversas vezes em que trabalhou em projetos de lei com senadores democratas, como o ícone Ted Kennedy, em temas delicados como imigração e financiamento de campanhas eleitorais.
Na segunda parte da frase, destacava sua melhor imagem popular, a do soldado-herói, cuja trajetória havia sido apresentada antes em um filme, arrancando urras da platéia.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas em todo o discurso foi assim, McCain explorou à exaustão seu patriotismo, sua experiência militar, que significaria que está preparado para comandar o país em um momento de guerra e crise econômica, ao contrário de Obama, a quem classificou de “noviço”.
McCain não é bom de retórica nem de auditório, mas tem o que os republicanos chamam de “straight talk”, vai direto ao ponto. A situação econômica, que se deteriora a cada dia, é que não ajuda a um candidato da situação.
Por isso, promete tanto reformas e mudanças.
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