Parece sina: chegamos atrasados, alardeamos desculpas e avacalhamos o
evento. Assim foi com a primeira experiência social-democrata em 1945
e assim está sendo agora. Amparado no sólido conhecimento ideológico
de Lourival Fontes, mas seguindo seu imbatível instinto político, o
ditador Getúlio Vargas criou e presidiu duas agremiações para
sustentar um possível retorno ao poder.
O PTB e o PSD, teoricamente social-democrata, montado a partir dos
currais eleitorais de seus interventores estaduais no Estado Novo. Um
destes filhotes do varguismo ou os dois juntos seriam a réplica nativa
do New Deal. A vitória do partido trabalhista inglês em 1945 sobre o
herói da guerra Winston Churchill também contribuiu para dar um charme
especial ao ramo inglês da velha social-democracia alemã.
Apesar de vitoriosa nas duas primeiras eleições pós-ditadura (com
Dutra e Kubitschek) nem a coligação nem suas crias conseguiram tocar o
projeto social-democrata concebido por Edward Bernstein no final do
século 19. A admirável figura de Alberto Pasqualini do PTB gaúcho
chegou a empolgar os torcedores do clube social-democrata. Um derrame
aos 55 anos interrompeu sua carreira e pulverizou o projeto do
socialismo democrático no Brasil.
O fim do regime militar coincidiu com o sucesso da social-democracia
em todo o mundo. Seu conteúdo humanista alimentou uma das mais
fulgurantes histórias de sucesso do pós-guerra, a comunidade europeia
alicerçada na Alemanha e França fortemente social-democratas e
viabilizou o projeto do Estado do Bem-Estar, o Welfare State, terceira
via entre o bolchevismo soviético e capitalismo americano. A
socialdemocracia foi essencial na Península Ibérica funcionando de
forma admirável na transição das suas ditaduras para a plena
democracia.
No exílio português, Brizola trocou seus impulsos revolucionários por
um projeto evolucionário, tentou o registro de um novo PTB, mas
conseguiu filiar o seu PDT à Internacional Socialista. Hoje está nos
antípodas do que pretendia ser. Quando o PMDB passou a exibir suas
rachaduras, um grupo de quadros criou o PSDB. Venceu duas eleições
presidenciais. Perdeu o fôlego, vencido pelas contradições internas
expostas pela candidatura Alckmin em 2006.
O vice de Mário Covas revelou-se um bom administrador, suas convicções
pessoais porém jamais permitiram absorver algo do ideal
social-democrata para enfrentar o rolo compressor da vertente
populista do PT. Por vontade própria ou tele-comandado, por
oportunismo seu ou de terceiros, o prefeito paulistano Gilberto Kassab
entra na história da social-democracia brasileira como seu algoz. Ou
redentor em um segundo round.
Abiscoitou a preciosa sigla do PSD e está fazendo um estrago inédito
no partido teoricamente coirmão. Kassab está preocupado com adesões.
Posteriormente explicará se o seu PSD é o mesmo do reacionário
presidente português Cavaco Silva e do venerando coronel Benedito
Valadares ou se optará por doutrinas mais próximas do presidente
uruguaio, José Mujica, que declarou ao El País: "Não é possível
construir o socialismo com sociedades de semianalfabetos".
Alberto Dines é jornalista