A visita do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy
Geithner, ao Brasil para preparar a vinda do presidente americano,
Barack Obama, em março tem alguns ingredientes importantes para a
política externa brasileira. Seu objetivo principal parece ter sido
convencer as autoridades brasileiras que a China é um problema maior
para o Brasil do que os EUA.
Na verdade, o governo americano entende que o governo brasileiro tende
a culpar mais os Estados Unidos do que a China pelos problemas
cambiais que perturbam a economia internacional, e receia que essa
visão seja mais um ingrediente de uma política externa que muitas
vezes ganha um tom antiamericano.
Há também, por parte dos analistas americanos, a sensação que certos
setores da diplomacia brasileira têm uma visão muito preconceituosa da
situação mundial, convencidos que há uma tendência irreversível de
crescimento do poder econômico e político da China, e um declínio
proporcional dos Estados Unidos. E tomam decisões com base nesse
raciocínio simplista.
Na verdade, o Brasil é prejudicado tanto pelos Estados Unidos, que
desvalorizam cada vez mais a sua moeda com a inundação de dólares no
mercado e a consequente valorização do real, prejudicando nossas
exportações, quanto pela política chinesa de manter sua moeda
desvalorizada e assim invadir os mercados brasileiro e
latino-americano com produtos baratos.
O governo brasileiro, no entanto, tem parte importante no fato de o
real ser a moeda mais desvalorizada do mundo, pois mantém os juros
mais altos do mundo para conter a inflação provocada, em grande parte,
pelos gastos governamentais excessivos, e atrai o capital especulativo
internacional.
Com a troca de governo no Brasil e os primeiros sinais que a política
externa não insistirá numa linha tão confrontante com os Estados
Unidos, retomando um posicionamento mais de acordo com a tradição da
política externa brasileira, o governo americano está sondando o
terreno para ver se realmente a relação pode vir a ser retomada em
outras bases.
É pouco provável, no entanto, que o presidente Obama dê uma declaração
tão favorável à entrada do Brasil como membro permanente do Conselho
de Segurança Nacional da ONU como a que deu na Índia recentemente.
Esse era o desejo expresso do governo brasileiro. Mas diante das
evidências que isso dificilmente acontecerá, o Itamaraty já se
contentaria com que Obama desse seu apoio genérico à ampliação da
representação política do Conselho.
A declaração de Obama na Índia tem sutis recados da diplomacia
americana, que indica as condições que os Estados Unidos exigem para
dar seu apoio à pretensão de um país como o Brasil de ter uma
representatividade maior nos fóruns internacionais.
Obama disse, por exemplo, que um país para se candidatar a uma vaga
permanente tem que se comprometer a trabalhar para que a autoridade do
Conselho de Segurança da ONU seja respeitada pela comunidade
internacional.
Pois os Estados Unidos consideram que o Brasil não contribuiu para o
fortalecimento da instituição ao votar contra as novas sanções ao Irã,
determinadas no Conselho de Segurança da ONU.
O então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que
agindo assim o país "preservou" sua credibilidade internacional. Mas
da parte do governo americano, o voto do Brasil foi considerado uma
afronta não apenas ao Conselho de Segurança, mas também à liderança do
presidente Barack Obama, que precisava que houvesse uma decisão
unânime sobre as sanções. Convenceu Rússia e China, mas não mudou o
voto do Brasil.
Conversando com Carlos Alberto Sardenberg sobre o assunto ontem na
CBN, ele destacou que há muitos pontos em que a posição brasileira
coincide com a americana, como a reclamação sobre a desvalorização da
moeda chinesa, o que não justificaria uma posição permanente contra os
Estados Unidos e a favor da China.
O secretário Timothy Geithner também disse que a China precisa evoluir
para um modelo de crescimento que dê mais prioridade ao mercado
interno, o que a obrigaria a importar mais produtos industrializados
de outros países.
O Brasil queixa-se de que a China importa matérias primas, mas que
quando precisa importar produtos industrializados coloca várias
barreiras, como fez com os aviões da Embraer.
Na OMC, quem impediu o acordo agrícola negociado entre Estados Unidos,
União Europeia e Brasil foram China e Índia, numa manobra
protecionista.
O G-20 comercial, que junta exportadores competitivos, como Brasil e
Argentina, e países protecionistas, como China e Índia, mostra-se por
isso um instrumento inútil para fechar acordos internacionais, só tem
servido para bloqueá-los.
Os analistas do setor destacam que o crescimento dos principais
mercados para nossos produtos agrícolas nos anos à frente serão
inevitavelmente os países emergentes, e não as potências avançadas do
Primeiro Mundo.
China e Índia, junto com os demais países do G-33 (importadores
líquidos de alimentos, todos em desenvolvimento), se opõem a um mundo
verdadeiramente livre de subsídios e protecionismos de todo tipo.
Na definição de um analista do setor, o G-20 comercial é completamente
esquizofrênico nessa área: ao mesmo tempo em que pede o fim do
protecionismo e das subvenções agrícolas dos países desenvolvidos, não
apenas defende como estimula o protecionismo e as subvenções agrícolas
de países em desenvolvimento como China e Índia.
Por essas razões, não tem lógica, nem mesmo comercial, quanto mais
política, que o Brasil continue regendo sua ação externa mais por
questões ideológicas do que pelo pragmatismo.