STF tem a palavra final - MERVAL PEREIRA
Política

STF tem a palavra final - MERVAL PEREIRA



O GLOBO - 26/04
Não há como negar a existência de uma crise entre o Legislativo e o Judiciário neste momento, e o pano de fundo é o julgamento do mensalão, agora na sua fase decisiva. Há diferenças fundamentais, no entanto, entre decisões tomadas nas últimas horas que geraram esse ambiente de mal-estar institucional.

O equilíbrio entre os poderes da República será quebrado caso o escandaloso projeto de emenda constitucional aprovado pela CCJ da Câmara, dando ao Congresso a possibilidade de rever decisões do Supremo e até mesmo submeter algumas delas a plebiscito, prossiga até o final do processo legislativo. Uma retaliação clara de um grupo petista à atuação do Supremo no julgamento do mensalão.

Já a liminar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes sustando a tramitação do Projeto de Lei que cria obstáculos a novos partidos segue rigorosamente a jurisprudência da Corte e representa a defesa constitucional dos "princípios democráticos, do pluripartidarismo e da liberdade de criação de legendas." A base de toda a discordância está na não aceitação por parte de grupos políticos da predominância do Supremo Tribunal Federal no que se refere à interpretação constitucional.

É com o objetivo de ressaltar esse papel do Supremo de dar a última palavra em termos de Constituição que o Ministro Gilmar Mendes lembra na liminar que, quando analisou a ação direta de inconstitucionalidade contra o PSD, que tinha o objetivo de impedir que os parlamentares que foram para a nova legenda levassem consigo o tempo de televisão e o dinheiro do Fundo Partidário, o Supremo decidiu "assegurar aos partidos novos, criados após a realização das últimas eleições gerais para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, considerada a representação dos deputados federais".

Diante dessa decisão, que, lembra Gilmar Mendes, foi acatada na última eleição municipal, o Projeto de Lei "parece afrontar diretamente a interpretação constitucional veiculada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Adin 4.430, relator Ministro Dias Toffoli, a qual resultou de gradual evolução da jurisprudência da Corte, conforme demonstrado".

O presidente do Senado, Renan Calheiros, levou a questão para o plano emocional quando afirmou que, "da mesma forma que não interferimos no Judiciário, não aceitamos que o Judiciário influa nas nossas decisões". Na própria liminar, o Ministro Gilmar Mendes já respondera a essa acusação reproduzindo um texto do decano da Corte, o ministro Celso de Mello, que diz que o Supremo pode interferir "sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional".

Para o Ministro Gilmar Mendes, diante da decisão anterior do STF, "a aprovação do Projeto de Lei em exame significará, assim, o tratamento desigual de parlamentares e partidos políticos em uma mesma legislatura. Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos específicos".

Ministro Gilmar Mendes trouxe ao debate mais uma vez, na sua liminar, a impossibilidade de se alterar uma decisão do STF através de um projeto de lei, coisa que o próprio Supremo já considerou inconstitucional. A esse respeito, há a famosa discussão entre Rui Barbosa e Pinheiro Machado, que criticava uma decisão do STF. O episódio foi lembrado por Celso de Mello durante o julgamento do mensalão, dizendo que Rui definira "com precisão" o poder da Suprema Corte em matéria constitucional:

"Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade."



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