Quando se tornou ministra de Minas e Energia, em 2003, Dilma Rousseff trazia a experiência de secretária de Energia de um Estado, o Rio Grande do Sul, e zero de vivência na gestão de um país cheio de complexidades e diferenças regionais. O ex-presidente Lula vendeu a nova ministra aos brasileiros como "a mulher que evitou o apagão de 2001 em terras gaúchas". No ministério ela se queixava de ter herdado de FHC uma situação de caos, referindo-se à escassez de documentos que ajudassem a compor um quadro real do setor elétrico. "Isso aqui é terra arrasada, não permite planejar nada, e o setor elétrico precisa de muito planejamento para funcionar bem", disse-me numa tarde, na sede do ministério, em BrasNo setor elétrico do governo Dilma faltou planejamento, sobrou improvisação; faltou tratamento técnico às decisões, sobraram ações políticas de olho nas eleições. É essa herança de apagões, erros e desperdícios de dinheiro que o próximo ministro de Minas e Energia irá encontrar em 2015.
O maior desses erros foi a redução da tarifa na conta de luz em janeiro de 2013. Na época, o discurso do governo era aproveitar a renovação dos contratos de concessão para obrigar as empresas distribuidoras a reduzirem a tarifa para o consumidor. Dito assim, a intenção é louvável. Mas a forma de fazer foi deplorável.
Resultado: hoje o brasileiro nem se lembra de que a tarifa foi baixada, porque reajustes posteriores anularam o benefício; as distribuidoras passaram a viver em crise financeira, pois o aumento do consumo e a falta de chuvas as obrigaram a comprar energia por preço mais alto do que vendem; o governo já gastou R$ 9,8 bilhões com subsídios às empresas em 2013, reservou mais R$ 9 bilhões para 2014 e pensa em dobrar esse valor até o fim do ano (dinheiro que faz falta à área social e abala a crença nas promessas da presidente de rigidez nos gastos do governo); a redução da tarifa amenizou por pouco tempo, mas não evitou que o País encerrasse 2013 com uma taxa de inflação de 5,91%; descapitalizadas com a queda de faturamento, a Eletrobrás e subsidiárias investiram só 43% do previsto em 2013, prejudicando projetos de expansão em geração e transmissão e comprometendo serviços de manutenção da rede elétrica, o que alimenta o risco de apagões, além de quase uma centena dos que aconteceram nos últimos três anos - segundo técnicos do governo, por culpa de raios e da natureza, que não têm voz para se defender.
Mas erros não acontecem só no setor elétrico. Nos últimos dias o ministro Guido Mantega protagonizou uma espécie de arrependimento (momentâneo, caro leitor) em decorrência de mais uma descuidada e voluntarista improvisação: foi ao Congresso pedir, pelo amor de Deus, para parlamentares não votarem o projeto, enviado pelo próprio governo, que muda os indexadores das dívidas dos Estados e municípios. A intenção do projeto era socorrer o recém-empossado prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que reclamava ser obrigado a pagar quantias elevadas da dívida da Prefeitura com o governo federal, enquanto faltava dinheiro para sua gestão.
Empolgados com a vitória eleitoral de Haddad, o governo criou o projeto para socorrê-lo e, como o princípio da isonomia proíbe exclusividades, estendeu o benefício a todos os governadores e prefeitos. A necessidade de planejar com cuidado e avaliar os desdobramentos políticos e financeiros - preocupação obrigatória de governantes - nem sequer foi cogitada; o mais importante era Haddad dispor de dinheiro para uma gestão que ajudasse a vitória eleitoral de Dilma em São Paulo.
Dilma conseguiu unir todos os governadores e prefeitos do País num poderoso rolo compressor de pressão política sobre suas bancadas no Congresso contra um projeto que, por implicar gastar mais e economizar nada, se tornou mais uma ameaça ao rebaixamento da nota do País pelas agências de classificação de risco. Fica adiado, mas não descartado. É assim que o governo imagina enganar as agências e investidores interessados no Brasil.
SUELY CALDAS É JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO. E-MAIL: [email protected]