No acerto que fez com 31 empresários na quinta-feira, o presidente Lula não condicionou a redução de impostos à manutenção do emprego na indústria automotiva, como queriam as centrais sindicais, mas também não acatou propostas de flexibilização provisória de direitos trabalhistas nesta hora de pressão da crise sobre o emprego, como queriam empresários. Preferiu atacar o problema tentando estimular a demanda com a desoneração do Imposto de Renda sobre a classe média e com a possível redução de preços dos automóveis decorrente de queda de imposto.
Em momentos sem crise são medidas na direção certa, mas a dúvida é se a dosagem (o governo calculou a renúncia fiscal em R$ 8,4 bilhões em 2009) é ou não suficiente para reanimar a demanda, como pretende o governo. Como um extraterrestre, o ministro Guido Mantega já antecipa o efeito. “Estamos caminhando para a normalidade”, disse na entrevista em que divulgou as medidas. Negar a existência da crise, divagar pelo mundo irreal tem sido o comportamento sistemático de Lula e Mantega. Mas seria a melhor forma de resolver o problema?
O efeito mais dramático da crise - o desemprego - ainda não mostrou sua pior fase. Chegou muito rápido e vive seu primeiro estágio, o de antecipações de férias coletivas. A “normalidade”, ministro, vamos ver quando voltarem os 5,5 mil empregados da Vale, outros tantos de empresas siderúrgicas, metalúrgicas, eletrônicas que recorreram a férias para se desfazer de estoques elevados e evitar demissões.
Mas a inevitável queda da demanda, comprovada em novembro pelo IBGE, leva ao passo seguinte - o desemprego. E isso é real, presidente, e não torcer contra, “para o Lula se lascar”. É para levar em conta e orientar ações para atenuar.
Medidas de desoneração fiscal para estimular a demanda são bem-vindas, mas têm alcance limitado, porque a decisão de comprar ou poupar por temer dias piores é do consumidor. Por mais que Lula queira influenciá-lo com seus conselhos extravagantes, é natural o chefe de família se prevenir contra o fantasma do desemprego e poupar, não gastar. Porém o governo parece esquecer - e perde boa oportunidade - que momentos de crise são propícios a ajustes estruturais desprezados em períodos de bonança.
Lula rejeita a idéia por sempre colocar sua popularidade política acima de tudo, mas este é um momento inescapável para uma minirreforma trabalhista, com propostas de medidas infraconstitucionais que dispensem longas tramitações no Congresso, atualizem regras de relações de trabalho, incorporem práticas de novas formas de produção, reduzam o custo trabalhista mantendo direitos fundamentais e atraiam para a legalidade metade da mão-de-obra marginalizada.
É nisso que o governo deveria agora focar, não se acovardar diante de centrais sindicais que não aceitam perder nada e ainda querem acrescentar ganhos em plena crise, nem diante de ameaças de empresários de desempregar. Este é um momento em que o governo precisa contrariar os dois lados corporativos para beneficiar a sociedade, os trabalhadores (sobretudo os marginalizados) e as futuras gerações.
Nem de parte do governo nem da oposição surgiram propostas para uma minirreforma trabalhista, nem mesmo flexibilização temporária de algumas regras e direitos para atravessar a crise com o mínimo de demissões. E com a queda da renda do trabalho o dinheiro em circulação encolhe, caem vendas e é passo muito rápido para agravar a recessão econômica. Por isso é preciso evitar o desemprego, mas com realismo, não com propostas demagógicas de reduzir horas trabalhadas sem reduzir salários, com que as centrais sindicais acenam para a platéia, mas sabem que não terão.
Tampouco no livro virtual Como Reagir à Crise? Políticas Econômicas para o Brasil, lançado por um punhado de talentosos e criativos economistas da Casa das Garças e da PUC-Rio, há um único artigo analisando os efeitos da crise sobre o emprego e a renda e formas de amenizar o problema. Um dos organizadores, o ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, reconhece a falha e afirma que vai corrigi-la com um texto a ser incorporado ao livro. Os autores (entre eles Armínio Fraga, Pedro Malan, Edmar Bacha, Gustavo Franco, André Lara Resende e o próprio Goldfajn) concentram suas análises nos aspectos financeiros da crise, alertam o governo para os riscos que virão com a queda na arrecadação (boa leitura para Lula e Mantega), mas nada sobre a economia real. |